sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

relato de experiência - oficina de iniciação à dramaturgia


a convite da ciasenhas de teatro ministrei em julho três oficinas de iniciação à dramaturgia na periferia de curitiba para crianças e adolescente de 10 a 15 anos. as oficinas compuseram a contrapartida social do projeto do livro da dramaturga e diretora - e mestra e amiga - sueli araújo que foi lançado no mês de agosto em curitiba – narrativas em cena. 
amedrontada principalmente pela falta de preparo e experiência com esse público, aceitei a aventura e parti pra curitiba numa tarde ensolarada em são paulo, e a paisagem da chegada - um céu azul dilacerante - me enganava do frio típico de curitiba.
os locais das oficinas - uma associação de moradores, um centro de integração e um por fim um centro de assistência social - eram localizados em bairros muito distantes, onde dois deles tinham como vizinhos a mata de araucárias até o infinito. sete anos morando na cidade e nenhuma vez perambulei por essas regiões. ironia ou não, precisei sair de curitiba para então conhecer esses recantos.
as crianças eram todas muito desconfiadas, mas com o carinho e a dedicação dos professores/educadores me senti acolhida e a vontade, o que provocou uma catarse bonita e doce.
no começo pedi pra cada um se apresentar e dizer o que mais gostava de fazer, um hobby, para que eu pudesse conhecer um pouco o universo daquelas crianças e para que as suas particularidades pudessem me tocar um pouco, apesar do pouco tempo da oficina.
logo de cara percebi que o mais importante era mostrar que eles podiam, deviam, se sentir a vontade. a cumplicidade para começarmos uma oficina de escrita – algo tão pessoal e obscuro - era necessária desde o início. portanto declarei as duas primeiras regras: não existia certo ou errado nos textos que iríamos produzir e ninguém seria obrigado a ler seus textos, somente quem se sentisse a vontade - afirmação que provocou uma tranquilidade geral: ok, agora podemos começar!
começamos então a conversar sobre o que era dramaturgia. com palpites e achismos à vontade, fomos construindo coletivamente essa ideia e da mesma maneira também conversamos sobre a narrativa e também sobre a poesia. ao longo do dia fomos criando e descobrindo também como a fronteira entre esses gêneros foram sendo destruídas.
a primeira proposta de escrita foi livre e libertadora, todos nós escrevemos através da escrita automática durante alguns minutos, no qual não há nenhum filtro e nenhuma racionalização. sempre começávamos com “eu não sei o que escrever”, mas a ideia era não parar, não desistir. e então personagens, espaços, tempos, temas e universos inteiros eram criados. já éramos escritores.
passamos para a próxima conversa. o que é uma história? mais uma vez o quadro ficou repleto de definições, muitas vezes antagônicas, como eu esperava que fosse. e então o desafio: vamos tentar escrever um texto sem história. sim, detectamos que era impossível e que uma notícia de jornal era uma história, uma bula de remédio era uma história ou uma mínima palavra.
até que nesses desdobramentos ele surgiu: o leitor!
subíamos um degrau. conversamos sobre o leitor e também sobre o espectador e então voltamos para a dramaturgia. seguimos toda a oficina fazendo experimentações com e sobre a palavra e o mais importante, sobre nós mesmos, que nos expusemos e nos desafiamos a lermos nossos textos, ou ainda a interpretar o texto do meu amigo do lado, reescrevendo sua história, não entendendo ao certo sua intenção e até mesmo xingando sua letra: o escritor encontrou seu primeiro leitor.
desenvolvemos o diálogo e a narração dentro dessa história que construímos na escrita automática. por fim, ao falar do lírico, falamos do que há de mais particular e escondido em nós mesmos! éramos cúmplices naquele momento.
falamos sobre família, sobre sonhos, sobre futebol, sobre roubos, mortes, amigos, sobre a escola, sobre o primeiro beijo, funk, vídeo game e também sobre aquela vez em que ele foi com o melhor amigo ao lago no fundo daquela mata, várias vezes escondidos de suas mães. até que o melhor amigo, morreu: leptospirose. sim, a culpa era minha. porque ele e não eu? ele era meu melhor amigo...
só me entregava seus textos quem quisesse. minha mochila voltou pra são paulo cheia de histórias, uma nova a cada palavra. mas essa, a história do melhor amigo, não. ele levou consigo o pedaço de papel. aquele papel era um pedaço dele mesmo, não poderia mais viver sem aquelas palavras. nem eu.
e foi por isso aquele pedaço de papel veio para cá.

 
obrigada curitiba

obrigada ciasenhas de teatro pela oportunidade.

 
 
evoé dramaturgia
 
sempre...

 

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