sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

edital oraci gemba


em setembro a jornalista helena carnieri publicou no caderno g da gazeta do povo uma matéria sobre o edital oraci gemba do fundo municipal de curitiba que seleciona dramaturgias prontas e propostas de escrita para publicação.
no último edital fui premiada junto com os colegas luiz felipe leprevost, diego fortes e mais 3 dramaturgos e nossas dramaturgias publicadas na coleção dramaturgias curitibanas lançadas no festival de teatro de curitiba deste ano. o edital não foi lançado em 2013 e, de acordo com a fundação cultural de curitiba está sofrendo alterações e somente será publicado novamente em 2015.
diante deste fato, na matéria falei um pouquinho sobre a importância deste edital e a publicação de dramaturgia no brasil.
 

 

onde começa o teatro

fundação cultural garante continui­dade de projeto de publicação de textos de peças, mas próxima edição pode sair só em 2015

a recente empolgação nacional com os novos dramaturgos curitibanos, especialmente no contexto do núcleo de dramaturgia do sesi/pr, pode dar a falsa impressão de que só agora passamos a escrever. nada disso. profissionais atuantes desde a década de 80, como sílvia monteiro, lembram que nossos grupos se autopautavam há muito tempo. “nossa dramaturgia é silenciosa, mas presente”, define.
essa produção passou a ser documentada em 2007, por meio do edital oraci gemba, da fundação cultural de curitiba. foram quatro livros, trazendo peças inéditas produzidas por aqui.
a dúvida da classe sobre a continuidade do programa de incentivo nesta nova gestão municipal se dissipou parcialmente em reunião com o presidente da fundação, marcos cordiolli, que garantiu o retorno do projeto. mas a perspectiva temporal não é animadora: primeiro, será realizada uma nova rodada de conversas com a classe artística sobre a reformulação dos editais, para só então lançá-lo, o que poderia ocorrer em 2015. “depende de estudos técnicos. mas nos interessa a produção de literatura e de dramaturgia locais”, assegurou cordiolli em entrevista à gazeta do povo. segundo ele, o formato bienal, com a publicação de mais textos num único livro, é interessante.

memória

a última edição do dra­­ma­­turgias curitibanas (2011/2012) reuniu cinco textos. alguns já tiveram leituras dramáticas, como o beijo, de sílvia. “foi meu primeiro texto com ideia original, sem ser uma adaptação”, revela a autora, que tem experiência na área. quando ela criou o grupo delírio, na década de 80, com edson bueno e áldice lopes, as peças frequentemente tinham dramaturgia própria. “poderíamos acompanhar o movimento de teatro de grupo da cidade pelos textos produzidos, seguindo o pensamento por trás dos espetáculos.”
por isso, a publicação é vista como fundamental para a manutenção da memória da cena teatral curitibana, mas também para estimular a criatividade e a produção original.
“que eu conheça, [o oraci gemba] é o único projeto no brasil que incentiva a criação dramatúrgica, sem ser simplesmente um concurso”, contou à reportagem o autor e diretor enéas lour. ele publicou nas duas últimas edições: reivalino e dagobé (ambos os dois assassinos contratados), no livro de 2009, e otto e maria, no de 2011/2012.
a pesquisadora lígia souza oliveira, que publicou encontros diários na última edição do dramaturgias curitibanas, é uma defensora ferrenha da publicação de textos de peças – e do estímulo a sua leitura. criou o blog habitando o papel com esse objetivo, e direcionou seus trabalhos de mestrado e doutorado para essa área.
tendo acompanhado a criação de textos feitos no calor de um processo de montagem de espetáculo, ela acredita que um “texto de gabinete”, escrito independentemente pelo dramaturgo, tem suas vantagens. “há um exercício de linguagem mais profundo. por outro lado, é preciso encarar as palavras enquanto fala”, disse à reportagem.
outra alegria trazida pelo projeto à classe, na opinião de lígia, é a reunião de nomes iniciantes – como o dela própria, além de diego fortes e luiz felipe leprevost – ao da geração mais experiente, como sílvia, enéas, renato perré e luiz roberto meira.

discussão

a revisão dos editais municipais para a área cênica ainda não tem prazo para começar. por enquanto, foram realizados dez encontros com artistas da cidade de várias áreas. um dos interesses manifestados por cordiolli é o de investir em editais integrados, que pensem a produção e a circulação – inclusive nacional e internacional – de espetáculos.
um dos principais editais da área de teatro, o de ocupação do teatro novelas curitibanas, terá sua nova edição até o fim de ano, promete cordiolli.

 

 


relato de experiência - oficina de iniciação à dramaturgia


a convite da ciasenhas de teatro ministrei em julho três oficinas de iniciação à dramaturgia na periferia de curitiba para crianças e adolescente de 10 a 15 anos. as oficinas compuseram a contrapartida social do projeto do livro da dramaturga e diretora - e mestra e amiga - sueli araújo que foi lançado no mês de agosto em curitiba – narrativas em cena. 
amedrontada principalmente pela falta de preparo e experiência com esse público, aceitei a aventura e parti pra curitiba numa tarde ensolarada em são paulo, e a paisagem da chegada - um céu azul dilacerante - me enganava do frio típico de curitiba.
os locais das oficinas - uma associação de moradores, um centro de integração e um por fim um centro de assistência social - eram localizados em bairros muito distantes, onde dois deles tinham como vizinhos a mata de araucárias até o infinito. sete anos morando na cidade e nenhuma vez perambulei por essas regiões. ironia ou não, precisei sair de curitiba para então conhecer esses recantos.
as crianças eram todas muito desconfiadas, mas com o carinho e a dedicação dos professores/educadores me senti acolhida e a vontade, o que provocou uma catarse bonita e doce.
no começo pedi pra cada um se apresentar e dizer o que mais gostava de fazer, um hobby, para que eu pudesse conhecer um pouco o universo daquelas crianças e para que as suas particularidades pudessem me tocar um pouco, apesar do pouco tempo da oficina.
logo de cara percebi que o mais importante era mostrar que eles podiam, deviam, se sentir a vontade. a cumplicidade para começarmos uma oficina de escrita – algo tão pessoal e obscuro - era necessária desde o início. portanto declarei as duas primeiras regras: não existia certo ou errado nos textos que iríamos produzir e ninguém seria obrigado a ler seus textos, somente quem se sentisse a vontade - afirmação que provocou uma tranquilidade geral: ok, agora podemos começar!
começamos então a conversar sobre o que era dramaturgia. com palpites e achismos à vontade, fomos construindo coletivamente essa ideia e da mesma maneira também conversamos sobre a narrativa e também sobre a poesia. ao longo do dia fomos criando e descobrindo também como a fronteira entre esses gêneros foram sendo destruídas.
a primeira proposta de escrita foi livre e libertadora, todos nós escrevemos através da escrita automática durante alguns minutos, no qual não há nenhum filtro e nenhuma racionalização. sempre começávamos com “eu não sei o que escrever”, mas a ideia era não parar, não desistir. e então personagens, espaços, tempos, temas e universos inteiros eram criados. já éramos escritores.
passamos para a próxima conversa. o que é uma história? mais uma vez o quadro ficou repleto de definições, muitas vezes antagônicas, como eu esperava que fosse. e então o desafio: vamos tentar escrever um texto sem história. sim, detectamos que era impossível e que uma notícia de jornal era uma história, uma bula de remédio era uma história ou uma mínima palavra.
até que nesses desdobramentos ele surgiu: o leitor!
subíamos um degrau. conversamos sobre o leitor e também sobre o espectador e então voltamos para a dramaturgia. seguimos toda a oficina fazendo experimentações com e sobre a palavra e o mais importante, sobre nós mesmos, que nos expusemos e nos desafiamos a lermos nossos textos, ou ainda a interpretar o texto do meu amigo do lado, reescrevendo sua história, não entendendo ao certo sua intenção e até mesmo xingando sua letra: o escritor encontrou seu primeiro leitor.
desenvolvemos o diálogo e a narração dentro dessa história que construímos na escrita automática. por fim, ao falar do lírico, falamos do que há de mais particular e escondido em nós mesmos! éramos cúmplices naquele momento.
falamos sobre família, sobre sonhos, sobre futebol, sobre roubos, mortes, amigos, sobre a escola, sobre o primeiro beijo, funk, vídeo game e também sobre aquela vez em que ele foi com o melhor amigo ao lago no fundo daquela mata, várias vezes escondidos de suas mães. até que o melhor amigo, morreu: leptospirose. sim, a culpa era minha. porque ele e não eu? ele era meu melhor amigo...
só me entregava seus textos quem quisesse. minha mochila voltou pra são paulo cheia de histórias, uma nova a cada palavra. mas essa, a história do melhor amigo, não. ele levou consigo o pedaço de papel. aquele papel era um pedaço dele mesmo, não poderia mais viver sem aquelas palavras. nem eu.
e foi por isso aquele pedaço de papel veio para cá.

 
obrigada curitiba

obrigada ciasenhas de teatro pela oportunidade.

 
 
evoé dramaturgia
 
sempre...

 

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

janela de dramaturgia - quinto encontro





quinto encontro
 


quinto  encontro já é relacionamento sério?
não, eu não conheço belo horizonte e os amigos são poucos. mas o convite feito pela equipe do janela de dramaturgia me incitou a, mensalmente, habitar essa cidade: as ruas, as casas, os becos, cada pessoa...
com a janela do meu escritório aberta - a paisagem concreta de são paulo - a viagem me fez conviver, através das palavras desses dramaturgos, com atmosferas tão particulares daí.
atmosferas estas que tantas vezes se constroem por aqui também: o que é dramaturgia? qual o grau de relação com o leitor/espectador? qual a articulação da palavra? qual o grau construtivo das imagens? é literatura? é cinema? é teatro?
sim, esse espaço também foi feito pra isso, pra discutir a linguagem.
mas acima de tudo encontramos nos textos um rapto, uma centelha de subjetividade, de particularidade que ressoam em nós com algum tipo de esperança. afinal, eu encontrei você mensalmente e essa presença invisível que se constrói na folha de papel (ou na tela do computador) certamente diz muito sobre o que toca, o que compartilha, o que encontra...
de fato, o céu é o mesmo... e eu construo com você, lendo, a nossa obra.      
evoé dramaturgia...
vida longa ao janela!!!!
 
 
a carne sua joão filho
 


a carne sua dramaturgia de joão filho se configura em duas partes. neste pequeno texto iremos nos debruçar sobre a primeira parte e a introdução da segunda.
o texto apresenta o cotidiano de um homem. certamente, o texto se elabora a partir de configurações da rotina. em trechos que alternam a primeira e terceira pessoa acompanhamos os acontecimentos deste personagem que apresenta um programa de tv chamado “todo dia” (uma ligação direta com o seu cotidiano repetitivo), no qual ensina receitas culinárias.
 
em toda  a primeira parte acompanhamos as ações deste homem dia após dia, referenciado pela indicação insistente dos horários. dentre as ações está o zelo com o seu peixe rex, que retratando a sua solidão, faz paralelo também com o seu ofício: a exposição.
 
percorremos, através de seu cotidiano, a construção de uma comparação entre a exposição do peixe no aquário da estante com a sua exposição diária na tv: “volto aos objetos, de plástico, alguns de vidro, madeira, papel, líquidos, tecidos... tem uma carne na estante. a carne sua. não é você. cadê você? você estava aqui agora! ao lado do abajur, de pé... cadê você? como assim?”. ao mesmo tempo que em que a carne está exposta frente às câmeras, o peixe está exposto na estante, ele também se expõe, mostra sua carne e a transforma num objeto, numa coisa.
 
duas chaves de entendimento encontramos neste texto. a primeira em relação ao titulo, que compõe dois significados para o termo sua: o pronome possessivo e a conjugação do verbo suar. nesta duas possibilidades encontramos a antagonia: a carne enquanto domínio, o peixe e ele próprio é um objeto de posse e ao mesmo tempo a carne tem vida, se revela enquanto corpo, que chora, sangra, sua e sente.
 
a outra chave de entendimento se faz no nome do canal o qual o homem trabalha: tv terapia. neste sentido, algumas indicações do texto podem nos revelar também o intuito do autor ao nos escrever estas palavras: “tenho um altar de apegos” ou ainda “isso só diz respeito a mim”, nos fazendo intuir que toda a construção do texto passa por uma relação autobiográfica muito forte. afinal de contas, todo o texto o é, o que percebemos neles é a vontade de esconder ou de exibir essa amplitude particular. o autor aqui também expõe a sua carne.
 
num trecho que finaliza a primeira parte, observamos um fechamento acerca destas carnes expostas: “zé́ põe pra despertar uma bomba dentro dele todos os dias. pra lembrar de não esquecer. ele vê seus olhos no espelho, sente sua carne abatida, mentirosa, fraca, estúpida. ele se coloca na estante, as pessoas o observam por alguns instantes, a carne fica exposta. passa um tempo, a carne sua, fede. até ficar desinteressante, perecível. ele erra, fecha os olhos e explode. adormece!”
 
já a concisa segunda parte, ainda em fase de construção, nos mostra a mesma condição deste personagem agora escrita a partir de outra arquitetura de linguagem. numa construção mais lacunar, as frases são inteiramente sugestivas e nos põem em contato com a condição material das palavras, sua sonoridade e sinestesia. em contraponto à materialidade da palavra, o que se apresenta é a liricidade deste personagem, com suas dúvidas e incertezas, sua tristeza na visão afastada, um pouco mais consciente talvez, de toda a sua condição rotineira.
 
 
miração – rafael fares.




o texto de rafael fares, miração, é divido em cinco partes e conta com as seguinte subjetividades: paisagem, pensamento e mirante. aqui chamaremos de subjetividade pois elas não delineiam o que consideramos ser personagem, com características e identidades particulares e delineáveis.
 
a situação é dada de pronto, nas primeiras páginas. alguém participa de um ritual onde se ingere o chá ayahusca. e então todo texto segue dando informações que se desdobram a partir desta experiência.
 
as instâncias de pensamento e mirante tem todo o seu discurso construído em primeira pessoa, a primeira dando olhares mais objetivos e indicativos de toda a situação, e além disso, revelando as experiências do chá de maneira mais prática e a segunda com uma percepção mais sensorial e intuitiva dessa experiência. já a paisagem, delineia toda a situação como um olhar de fora, dando descrições de todo o percurso deste sujeito e também do espaço no qual está inserido.
 
a escola impressionista tem uma característica que vai ao encontro deste texto. fora de uma discussão determinista, as pinturas impressionistas não desenham uma linha que delineie o sujeito, separando-o da paisagem em que está inserido. neste texto também acontece isso. as instâncias em primeira pessoa, o pensamento e o mirante juntamente com a instância em terceira pessoa, a paisagem, dão pistas deste sujeito o qual acompanhamos a experiência. o espaço, as sensações e os pensamentos se entrecruzam e nos apresentam esse sujeito lacunar, sem contornos definíveis em relação aquela situação, o próprio texto dá as chaves de entendimento: “o que saiu de mim me desfez, desfazendo a minha fronteira com o mundo”.
 
o texto segue dando enfoques às alucinações deste sujeito. a utilização de drogas na construção de um pensamento sobre a arte é decorrente na história. um desses momentos é o simbolismo, o que muito pode se ligar a este texto. em seus escritos, eles acreditavam ser através do uso do haxixe que se podia alcançar possibilidades que muito serviram à arte, religando o artista à uma esfera divina.
 
a citação de diversos artistas, escritos, músicos, usada para referenciar a arte enquanto ritual, enquanto experiência sensorial, é recorrente em todo o texto.
 
porém a maior questão do texto me parece ser a dosagem das certezas do autor em detrimento à experiência estética. as experiências do pensamento parece se espandir em detrimento das outras instâncias, trazendo ao texto um ar informativo beirando o manifesto. a arte enquanto ritual fica mais no discurso e pouco atinge à linguagem apreendida, e consequentemente o leitor. a necessidade de instaurar essa noção ritualística da experiência, de certa maneira contextualizando o leitor, acabou por ser enfática a ponto de nos afastar de qualquer possibilidade de acesso ao sensorial e sinestésico do texto. o leitor acompanha o percurso desta experiência mas dela não se apodera.
 
a questão pode ser que seja a dosagem entre o convite ao ritual, apresentando como maneira de acesso à experiências distintas, e a sua informação, de forma que o texto não se aproxime do hermetismo mas tampouco de apresente mais indicativo do que convidativo. 
 


mais informações sobre o projeto em: www.janeladedramaturgia.wordpress.com

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

janela de dramaturgia - quarto encontro





quarto encontro



o que é dramaturgia?
em nossos tempos parece que qualquer tipo de afirmação irá delimitar e ferir as possibilidades de atuação na relação texto e cena.
e como foi no  teatro do pós-guerra, a fixação de características e pontos nevrálgicos da linguagem na contemporaneidade, acabará por diminuir a individualidade de cada obra.
ao mesmo tempo, faz necessário que, cada dramaturgo, ao escrever uma obra, possa apresentar sua concepção de dramaturgia, não como um teatro tese, mas em sua própria forma, que deve tensionar, cortar, explodir os preceitos indicadores da tradição.
são espaços como o janela de dramaturgia que devem ser referenciados por sua classe. o desejo de refletir de maneira mais abrangente a ideia múltipla do texto teatral na contemporaneidade impulsiona a produção e o deleite de obras cada vez mais arriscadas.
 e com isso o teatro ganha, e muito!
 
elon rabin não acredita na morte ricardo alves jr e diego hoefel
 


elon rabin não acredita na morte é uma adaptação do roteiro de mesmo nome escrito por ricardo alves jr. e diego hoefel. acompanhamos um recorte específico da vida de elon rabin, um senhor de meia idade que está à espera e também em busca de sua esposa desaparecida, madalena rabin.
 
a narrativa conta com 10 personagens, alguns bem pontuais, como as atendentes do hospital e 2 homens que conversam, maldosamente, sobre a sua busca pela mulher; e outros mais presentes, como a irmã de elon, que tenta reanimá-lo e colocá-lo de volta no eixo da vida cotidiana ou ainda, rita, uma amiga que deixa escapar um afeto especial por esse homem, porém, a possibilidade de alguma relação entre os dois fica somente no campo sugestivo.
 
para destacar as nuances deste percurso de elon, o texto dá cabo de um narrador que descreve cenas inteiras, instigando o  leitor a visualizar detalhes dos movimentos dos personagens, e também explodindo o tempo-espaço geralmente limitado da maioria das dramaturgias tradicionais.
 
o mais interessante do texto é a despreocupação com um enquadramento do que preconcebemos ser dramaturgia. é cada vez maior a interação entre as linguagens e, independente de recursos linguísticos característicos de cada gênero - o teatral e o cinematográfico - o texto revela nuances de uma poética potente e instigante, e acredito ser isso o maior ganho da escritura.
 
a ideia de aderência a uma linguagem, atendendo as arquiteturas de construção características de cada proposição, me parece ultrapassada. até mesmo porque na contemporaneidade os recursos estão cada vez mais híbridos. separá-los, nomeá-los, identificá-los seria uma perda, já que, corroborando com o heiner muller, a dramaturgia que mais interessa é aquele em que se faz impossível sua encenação.
 
uma reflexão oportuna é justamente a necessidade de se perceber qual linguagem o material sinthomático pede. o argumento pensado para uma linguagem específica vai pedir de seus autores uma energia específica, diferente de outro gênero. e então a concepção, a resposta à pergunta, o que é dramaturgia?, ou o que é roteiro?, se apresentam na própria obra, revelando em seu próprio material a resposta que alguns leitores, espectadores, procuram. cada obra deve se relacionar com a linguagem de maneira singular e inventiva. esta me parece ser a chave do pensamento contemporâneo.
 
para uma nova dramaturgia, novos espectadores, já diziam juliana galdino e roberto alvim. o texto elon rabin não acredita na morte levanta alguns padrões distintos do pensamento acerca do texto teatral. apesar de propor recursos linguísticos simples - o uso alternado da narração e da intersubjetividade - o ganho do texto parece ser a sua poética, lacunar e indiciosa, ressaltando no silêncio principalmente do personagem principal - um turbilhão que se refere justamente à condição humana, complexa e tão particular.
 
 
embriões de aniquilamento do sujeito – guilherme lessa
 


o texto de guilherme lessa embriões de aniquilamento do sujeito é divido em 3 partes distintas que ele denomina como embriões 1, 2 e 3. anterior às três cenas encontramos o excerto: no combate se conhece o homem. no combate o homem se conhece. sugerindo uma possibilidade de conexão das cenas tão distintas.
 
o embrião número 1, denominado "homem seccionado", o mais denso dos três, apresenta dois sujeitos em situações antagônicas, um deles, preso a uma cadeira, já não concebe a sua vida fora do cativeiro. o outro homem, uma espécie de capataz, explica: minha estratégia para me dar bem sempre foi me dar mal, justificando a troca de lugar com o preso, ficando então entrelaçado na mesma corda. a troca apresenta a poeticidade da ação; ao mesmo tempo em que desenrola o preso, prende a si próprio revelando a máxima: no momento em que você age, você está preso. na rubrica final, quando da troca de lugares, percebemos que o tempo todo se tratava da condição de um só homem que, seccionado, se divide em dois, um que vai em direção à janela, libertando-se e outro que permanece sentado, imóvel.
 
o segundo embrião, "eu, por exemplo" apresenta uma senhorinha que fala de maneira verborrágica, de fluxo contínuo, sem nenhum crivo. com nuances extremamente realística, a cena apresenta um momento da vida desta senhora de mais idade que monologa com um desconhecido num ponto de ônibus. discorrendo sobre a sua franqueza extrema, ela indica: "as pessoas têm que ser mais sinceras"; mas ao mesmo tempo atesta que "honestidade não é recomendável". um trecho da fala da personagem revela também a forma como a linguagem se apresenta nesta parte: eu não entendo e realmente não suporto gente que fala por meio de sinal, de metáfora, de paráfrase, analogia.
 
já o embrião número 3, se a cobra estiver com fome, apresenta um casal num primeiro encontro com o terapeuta discorrendo sobre seus problemas conjugais, principalmente no que diz respeito à rotina sexual do casal. o marido é norueguês, fazendo com o texto o apresente com um português atrapalhado. entre conflitos diversos, o terapeuta encerra a sessão e então desmarca toda a sua agenda de consultas do dia. uma rubrica indica que ele se dirige até sua casa e a base de remédios, adormece às 3 horas da tarde.
 
a conexão entre os três embriões não fica claro. o formato que podemos entender neste texto seria a da "livre associação" no qual, imagens, textos, objetos são agrupados aleatoriamente propondo ao público que se coloque na construção dessas conexões. o formato é característica principalmente da literatura surrealista, a partir da prática na psicanálise de freud.
 
o título também nos sugere algum tipo de leitura: o aniquilamento do sujeito. não sendo desenvolvida através da linguagem - que ainda apresenta um argumentação extremamente usual e cotidiana, característica principal do personagem burguês com identidade e constituição una - o aniquilamento pode ser percebido, talvez, nas situações colocada em cena, no qual o leitor percebe os personagens submersos pela pequenez da existência humana cotidiana.

mais informações sobre o projeto em: www.janeladedramaturgia.wordpress.com


quarta-feira, 10 de julho de 2013

janela de dramaturgia - terceiro encontro







terceiro encontro
 


mas o que é de fato o contemporâneo?
um escuro. uma lugar que se direciona a nós, no escuro. uma luz que não vemos. o trabalho da retina produzindo o escuro. não, não é a ausência de luz.
essas definições são trazidas por giorgio agamben, italiano que nos convence: na tentativa do contemporâneo o que podemos fazer senão, falhar?
são tentativas sem acerto. são incertezas. são criações. não são descobertas.
o que nos instiga?
 
 
o exercício dramatúrgico n° 2 byron oneill
 

a dramaturgia de byron o'neill, como um exercício, nos é apresentada somente o primeiro ato de dois, conforme é informado na rubrica inicial. e como todo exercício inacabado muitas perguntas são incitadas, e a poucas respostas podemos nos agarrar. são três personagens principais, três mulheres, uma delas carrega um nome masculino, benjamim, e as outras duas são vonda e mary. somam-se a elas ainda mais duas, margareth e emely, que são citadas várias vezes, mas que neste primeiro ato ainda não aparecem. um personagem masculino, klauss, se apresenta no final desta primeira parte.
 
essas mulheres estão escondidas  há um bom tempo no que nos leva a acreditar que seja um porão, e recorrentemente são interpeladas por um tremor e bombardeio que abala todo o espaço. elas estão à todo momento na suspeita de uma invasão, da chegada de alguma autoridade que irá descobrir seu esconderijo. quando isso de fato acontece, o temor pela chegada desse capitão não se concretiza tão potentemente. o personagem, sem apresentar um tom de ameaçar, misteriosamente pede pra falar com margareth que está dormindo há muito tempo em um dos aposentos da casa.
 
o texto ainda apresenta um meta teatro que se materializa durante esses bombardeios, quando as três mulheres se revezam na representação das fábulas de bambi e king kong. esse meta teatro também se estende nas rubricas que, além de indicar ações num âmbito ficcional, também revelam a extensão dos tremores para o espaço da plateia, onde pedaços da construção teatral, caem sob os espectadores.
 
outras imagens também nos são apresentadas: a eminência de um incêndio, a materialização de uma inundação através do rompimento de um cano de água (inundação que também transborda pelo espaço da plateia), a ação insistente dessas mulheres a descascar batatas - o seu único alimento (o texto apresenta a intertextualidade com machado de assis - ao vencedor as batatas, resgatando a metáfora do encontrada no romance quincas borba), entre outras.
 
e por último o texto apresenta ainda a ideia do café como o líquido preto que pode assassinar, o que se concretiza quando as mulheres matam o comandante klauss no fim do primeiro ato. o mesmo café é sugerido como o motivo da morte do pai de benjamim, que pode ter sido morto propositadamente por sua mãe.
 
todas esses cenários tão instigantes nos apresentam um universo muito rico de imagens e de proposições cênicas que nos levam para um tempo e espaço distinto. porém, poucas respostas nos são dadas no decorrer do primeiro ato, e, como já nos atentava diderot, no seu discurso sobre a poesia dramática, quando o texto apresenta vários núcleos de proposição, dificilmente o autor conseguirá resolvê-los de uma só vez. diderot ainda sugere que o autor vá resolvendo as chaves aos poucos, de modo que o espectador possa percorrer o trajeto do espetáculo de maneira mais clara e que a trama não tenha ações soltas, que acabem por não serem resolvidas e arranjadas numa unidade de ação.
 
é certo que não falamos aqui de uma estrutura dramática, e que a pluralidade de imagens é uma das características da modernidade, mas fica o risco e o desafio de arranjar essas imagens de maneira a abrir as possibilidades de fruição da obra pelo espectador. como engendrar essas imagens todas colocando em cheque a posição do público da contemporaneidade?
 
matá-lo é uma das possibilidades, como acontece no fim do primeiro ato. mas então, como existirá teatro? a assembleia, a relação entre as partes, atores e público, o cerne do teatro, está destruído. então, como continuar? esse é o desafio do segundo ato, o qual, instigados, esperamos a resolução.
 
 
 
o estado da besta marcelo dias costa
 

 
a peça curta de marcelo dias costa apresenta o percurso de rufos, um gerente de uma multinacional falida, que está preso num quarto de hotel enquanto seus funcionários raivosos ameaçam invadir o local. num tom cômico e farsesco, acompanhamos a trajetória desse personagem inocente que, encantado pela facilidade de uma promoção inusitada, se torna uma peça facilmente manipulada pelos acionistas da empresa.
 
nesse quarto de hotel, rufos é interpelado por um dos funcionários que se disfarça de camareiro para então o ameaçar ferozmente. depois que rufos o convence de sua inocência, ele se torna um fiel escudeiro, ajudando-o a sair da situação. o personagem principal ainda é enganado por uma jornalista que acreditava ser sua amiga, e que acaba por editar a entrevista concedida, piorando ainda mais sua situação com os milhares de funcionários que o intimidam.
 
num formato rigidamente dramático, as unidades de tempo, espaço e ação são respeitadas do começo ao fim (mesmo com a inserção de uma tv - que em muitos momentos faz o papel de narrador, sem infringir a concepção dramática - e de um computador - que revela videoconferências com os acionistas internacionais). o único salto temporal da peça, bem no seu final, é indicado através de um abrir e fechar de cortinas, que retorna ao mesmo espaço revelando, através da narração da tv, o fim do enredo.
 
ressaltado pela orientação inicial direcionada diretor do espetáculo, o texto é repleto de proposições melodramáticas que em vários momentos nos lembra as novelas mexicanas, as quais de tanto utilizar ferramentas já condicionadas do melodrama, acabam por incitar o riso pelo exagero da situação. a trama repleta de reviravoltas e revelações inesperadas se somam a um ar forçosamente coloquial, com o uso exacerbado da segunda pessoa do singular.
 
as rubricas extremamente detalhistas, se prestam à indicações precisas, de maneira similar aos textos dramáticos. indicam precisamente o cenários, inclusive a cor de objetos, e também as características e ações dos personagens, dando pouco espaço para um diálogo com a criação cênica posterior. o que nos chama mais atenção é a indicação inicial dirigida ao possível diretor, que mostra uma formalidade que acompanha toda o discurso ficcional: "ao senhor peço que não poupe os atores...".
 
outra questão que se destaca nos texto e que merece um pouco mais de atenção é a resolução final da problemática da fábula. de maneira condensada, a fala da jornalista na televisão ligada pela camareira enquanto limpa o quarto na cena final, resolve os conflitos da fábula instantaneamente. acompanhamos todas as ações de rufos e seu amigo no decorrer do texto, mas o desfecho se apresenta de maneira rápida e impessoal, nos sendo anunciada através de uma narração, o que pode levar ao espectador imerso na trama à uma certa decepção, já que o percurso do personagem não pôde ser acompanhado até o seu fim da mesma maneira como foi apresentado inicialmente.
 
por fim, o texto apresenta características próprias do teatro de boulevard e do melodrama. no boulevard, segundo patrice pavis em seu dicionário, a estrutura dramática é usada em prol da comédia apresentando-se inofensiva e superficial, já no melodrama, o exagero nas características e ações dos personagens, que beiram os tipos, são utilizados para aproximar e agradar o público. todas essas características são executadas pelo autor de maneira efetiva. porém fica o questionamento de como essas proposições podem dialogar com discussões da nossa contemporaneidade e de como a retomada dos gêneros pode lançar uma nova luz aos pensamentos da atualidade. num processo de historicização e adaptação pode-se criar uma relação mais interessante e instigante com o público do teatro de hoje.
 
o texto de marcelo parece ter momentos em que se esforça demais para atender os parâmetros do drama, com a inserção de personagens extremamente pontuais e de situações que atendam a lógica da verossimilhança da obra. esse esforço poderia ser direcionado de maneira a explodir os limites do gênero e nos colocar, nós os leitores, em contato com resoluções inesperadas e imprevisíveis, de forma à contribuir às proposições do próprio gênero na atualidade.
 
mais informações sobre o projeto em: www.janeladedramaturgia.wordpress.com