quarta-feira, 10 de julho de 2013

janela de dramaturgia - terceiro encontro







terceiro encontro
 


mas o que é de fato o contemporâneo?
um escuro. uma lugar que se direciona a nós, no escuro. uma luz que não vemos. o trabalho da retina produzindo o escuro. não, não é a ausência de luz.
essas definições são trazidas por giorgio agamben, italiano que nos convence: na tentativa do contemporâneo o que podemos fazer senão, falhar?
são tentativas sem acerto. são incertezas. são criações. não são descobertas.
o que nos instiga?
 
 
o exercício dramatúrgico n° 2 byron oneill
 

a dramaturgia de byron o'neill, como um exercício, nos é apresentada somente o primeiro ato de dois, conforme é informado na rubrica inicial. e como todo exercício inacabado muitas perguntas são incitadas, e a poucas respostas podemos nos agarrar. são três personagens principais, três mulheres, uma delas carrega um nome masculino, benjamim, e as outras duas são vonda e mary. somam-se a elas ainda mais duas, margareth e emely, que são citadas várias vezes, mas que neste primeiro ato ainda não aparecem. um personagem masculino, klauss, se apresenta no final desta primeira parte.
 
essas mulheres estão escondidas  há um bom tempo no que nos leva a acreditar que seja um porão, e recorrentemente são interpeladas por um tremor e bombardeio que abala todo o espaço. elas estão à todo momento na suspeita de uma invasão, da chegada de alguma autoridade que irá descobrir seu esconderijo. quando isso de fato acontece, o temor pela chegada desse capitão não se concretiza tão potentemente. o personagem, sem apresentar um tom de ameaçar, misteriosamente pede pra falar com margareth que está dormindo há muito tempo em um dos aposentos da casa.
 
o texto ainda apresenta um meta teatro que se materializa durante esses bombardeios, quando as três mulheres se revezam na representação das fábulas de bambi e king kong. esse meta teatro também se estende nas rubricas que, além de indicar ações num âmbito ficcional, também revelam a extensão dos tremores para o espaço da plateia, onde pedaços da construção teatral, caem sob os espectadores.
 
outras imagens também nos são apresentadas: a eminência de um incêndio, a materialização de uma inundação através do rompimento de um cano de água (inundação que também transborda pelo espaço da plateia), a ação insistente dessas mulheres a descascar batatas - o seu único alimento (o texto apresenta a intertextualidade com machado de assis - ao vencedor as batatas, resgatando a metáfora do encontrada no romance quincas borba), entre outras.
 
e por último o texto apresenta ainda a ideia do café como o líquido preto que pode assassinar, o que se concretiza quando as mulheres matam o comandante klauss no fim do primeiro ato. o mesmo café é sugerido como o motivo da morte do pai de benjamim, que pode ter sido morto propositadamente por sua mãe.
 
todas esses cenários tão instigantes nos apresentam um universo muito rico de imagens e de proposições cênicas que nos levam para um tempo e espaço distinto. porém, poucas respostas nos são dadas no decorrer do primeiro ato, e, como já nos atentava diderot, no seu discurso sobre a poesia dramática, quando o texto apresenta vários núcleos de proposição, dificilmente o autor conseguirá resolvê-los de uma só vez. diderot ainda sugere que o autor vá resolvendo as chaves aos poucos, de modo que o espectador possa percorrer o trajeto do espetáculo de maneira mais clara e que a trama não tenha ações soltas, que acabem por não serem resolvidas e arranjadas numa unidade de ação.
 
é certo que não falamos aqui de uma estrutura dramática, e que a pluralidade de imagens é uma das características da modernidade, mas fica o risco e o desafio de arranjar essas imagens de maneira a abrir as possibilidades de fruição da obra pelo espectador. como engendrar essas imagens todas colocando em cheque a posição do público da contemporaneidade?
 
matá-lo é uma das possibilidades, como acontece no fim do primeiro ato. mas então, como existirá teatro? a assembleia, a relação entre as partes, atores e público, o cerne do teatro, está destruído. então, como continuar? esse é o desafio do segundo ato, o qual, instigados, esperamos a resolução.
 
 
 
o estado da besta marcelo dias costa
 

 
a peça curta de marcelo dias costa apresenta o percurso de rufos, um gerente de uma multinacional falida, que está preso num quarto de hotel enquanto seus funcionários raivosos ameaçam invadir o local. num tom cômico e farsesco, acompanhamos a trajetória desse personagem inocente que, encantado pela facilidade de uma promoção inusitada, se torna uma peça facilmente manipulada pelos acionistas da empresa.
 
nesse quarto de hotel, rufos é interpelado por um dos funcionários que se disfarça de camareiro para então o ameaçar ferozmente. depois que rufos o convence de sua inocência, ele se torna um fiel escudeiro, ajudando-o a sair da situação. o personagem principal ainda é enganado por uma jornalista que acreditava ser sua amiga, e que acaba por editar a entrevista concedida, piorando ainda mais sua situação com os milhares de funcionários que o intimidam.
 
num formato rigidamente dramático, as unidades de tempo, espaço e ação são respeitadas do começo ao fim (mesmo com a inserção de uma tv - que em muitos momentos faz o papel de narrador, sem infringir a concepção dramática - e de um computador - que revela videoconferências com os acionistas internacionais). o único salto temporal da peça, bem no seu final, é indicado através de um abrir e fechar de cortinas, que retorna ao mesmo espaço revelando, através da narração da tv, o fim do enredo.
 
ressaltado pela orientação inicial direcionada diretor do espetáculo, o texto é repleto de proposições melodramáticas que em vários momentos nos lembra as novelas mexicanas, as quais de tanto utilizar ferramentas já condicionadas do melodrama, acabam por incitar o riso pelo exagero da situação. a trama repleta de reviravoltas e revelações inesperadas se somam a um ar forçosamente coloquial, com o uso exacerbado da segunda pessoa do singular.
 
as rubricas extremamente detalhistas, se prestam à indicações precisas, de maneira similar aos textos dramáticos. indicam precisamente o cenários, inclusive a cor de objetos, e também as características e ações dos personagens, dando pouco espaço para um diálogo com a criação cênica posterior. o que nos chama mais atenção é a indicação inicial dirigida ao possível diretor, que mostra uma formalidade que acompanha toda o discurso ficcional: "ao senhor peço que não poupe os atores...".
 
outra questão que se destaca nos texto e que merece um pouco mais de atenção é a resolução final da problemática da fábula. de maneira condensada, a fala da jornalista na televisão ligada pela camareira enquanto limpa o quarto na cena final, resolve os conflitos da fábula instantaneamente. acompanhamos todas as ações de rufos e seu amigo no decorrer do texto, mas o desfecho se apresenta de maneira rápida e impessoal, nos sendo anunciada através de uma narração, o que pode levar ao espectador imerso na trama à uma certa decepção, já que o percurso do personagem não pôde ser acompanhado até o seu fim da mesma maneira como foi apresentado inicialmente.
 
por fim, o texto apresenta características próprias do teatro de boulevard e do melodrama. no boulevard, segundo patrice pavis em seu dicionário, a estrutura dramática é usada em prol da comédia apresentando-se inofensiva e superficial, já no melodrama, o exagero nas características e ações dos personagens, que beiram os tipos, são utilizados para aproximar e agradar o público. todas essas características são executadas pelo autor de maneira efetiva. porém fica o questionamento de como essas proposições podem dialogar com discussões da nossa contemporaneidade e de como a retomada dos gêneros pode lançar uma nova luz aos pensamentos da atualidade. num processo de historicização e adaptação pode-se criar uma relação mais interessante e instigante com o público do teatro de hoje.
 
o texto de marcelo parece ter momentos em que se esforça demais para atender os parâmetros do drama, com a inserção de personagens extremamente pontuais e de situações que atendam a lógica da verossimilhança da obra. esse esforço poderia ser direcionado de maneira a explodir os limites do gênero e nos colocar, nós os leitores, em contato com resoluções inesperadas e imprevisíveis, de forma à contribuir às proposições do próprio gênero na atualidade.
 
mais informações sobre o projeto em: www.janeladedramaturgia.wordpress.com