quinto encontro
quinto encontro já é relacionamento sério?
não, eu não conheço belo horizonte e os
amigos são poucos. mas o convite
feito pela equipe do janela de dramaturgia me incitou a, mensalmente, habitar
essa cidade: as ruas, as casas, os becos, cada pessoa...
com a janela do meu
escritório aberta - a paisagem
concreta de são paulo - a viagem me fez
conviver, através das palavras desses
dramaturgos, com atmosferas tão
particulares daí.
atmosferas estas que
tantas vezes se constroem por aqui também: o
que é dramaturgia? qual o grau
de relação com o
leitor/espectador? qual a articulação da
palavra? qual o grau construtivo das imagens? é literatura? é
cinema? é teatro?
sim, esse espaço também foi feito pra isso, pra
discutir a linguagem.
mas acima de tudo
encontramos nos textos um rapto, uma centelha de subjetividade, de
particularidade que ressoam em nós com
algum tipo de esperança.
afinal, eu encontrei você
mensalmente e essa presença
invisível que se constrói na folha de papel (ou
na tela do computador) certamente diz muito sobre o que toca, o que
compartilha, o que encontra...
de fato, o céu é o mesmo... e eu construo
com você, lendo, a nossa
obra.
evoé dramaturgia...
vida longa ao janela!!!!
a carne sua – joão filho
a carne sua dramaturgia de joão filho se
configura em duas partes. neste pequeno texto iremos nos debruçar sobre a
primeira parte e a introdução da segunda.
o texto apresenta o cotidiano de um homem.
certamente, o texto se elabora a partir de configurações da rotina. em trechos que
alternam a primeira e terceira pessoa acompanhamos os acontecimentos deste
personagem que apresenta um programa de tv chamado “todo dia” (uma ligação
direta com o seu cotidiano repetitivo), no qual ensina receitas culinárias.
em toda
a primeira parte acompanhamos as ações deste homem dia após dia,
referenciado pela indicação insistente dos horários. dentre as ações está o
zelo com o seu peixe rex, que retratando a sua solidão, faz paralelo também com
o seu ofício: a exposição.
percorremos, através de seu cotidiano, a
construção de uma comparação entre a exposição do peixe no aquário da estante
com a sua exposição diária na tv: “volto aos objetos, de plástico, alguns de
vidro, madeira, papel, líquidos, tecidos... tem uma carne na estante. a carne
sua. não é você. cadê você? você estava aqui agora! ao lado do abajur, de pé...
cadê você? como assim?”. ao mesmo tempo que em que a carne está exposta frente
às câmeras, o peixe está exposto na estante, ele também se expõe, mostra sua
carne e a transforma num objeto, numa coisa.
duas chaves de entendimento encontramos neste
texto. a primeira em relação ao titulo, que compõe dois significados para o
termo sua: o pronome possessivo e a
conjugação do verbo suar. nesta duas possibilidades encontramos a antagonia: a
carne enquanto domínio, o peixe e ele próprio é um objeto de posse e ao mesmo
tempo a carne tem vida, se revela enquanto corpo, que chora, sangra, sua e
sente.
a outra chave de entendimento se faz no nome do
canal o qual o homem trabalha: tv terapia. neste sentido, algumas indicações do
texto podem nos revelar também o intuito do autor ao nos escrever estas
palavras: “tenho um altar de apegos” ou ainda “isso só diz respeito a mim”, nos
fazendo intuir que toda a construção do texto passa por uma relação autobiográfica
muito forte. afinal de contas, todo o texto o é, o que percebemos neles é a
vontade de esconder ou de exibir essa amplitude particular. o autor aqui também
expõe a sua carne.
num trecho que finaliza a
primeira parte, observamos um fechamento acerca destas carnes expostas: “zé́ põe pra
despertar uma bomba dentro dele todos os dias. pra lembrar de não esquecer.
ele vê seus olhos no espelho, sente sua carne abatida, mentirosa, fraca,
estúpida. ele se coloca na estante, as pessoas o observam por alguns
instantes, a carne fica exposta. passa um tempo, a carne sua, fede. até ficar
desinteressante, perecível. ele erra, fecha os olhos e explode. adormece!”
já a concisa segunda parte, ainda em fase de
construção, nos mostra a mesma condição deste personagem agora escrita a partir
de outra arquitetura de linguagem. numa construção mais lacunar, as frases são
inteiramente sugestivas e nos põem em contato com a condição material das
palavras, sua sonoridade e sinestesia. em contraponto à materialidade da
palavra, o que se apresenta é a liricidade deste personagem, com suas dúvidas e
incertezas, sua tristeza na visão afastada, um pouco mais consciente talvez, de
toda a sua condição rotineira.
miração – rafael fares.
o texto de rafael fares, miração, é divido em cinco partes e conta com as
seguinte subjetividades: paisagem, pensamento e mirante. aqui chamaremos de
subjetividade pois elas não delineiam o que consideramos ser personagem, com
características e identidades particulares e delineáveis.
a situação é dada de pronto, nas primeiras
páginas. alguém participa de um ritual onde se ingere o chá ayahusca. e então todo
texto segue dando informações que se desdobram a partir desta experiência.
as instâncias de pensamento e mirante tem todo o
seu discurso construído em primeira pessoa, a primeira dando olhares mais
objetivos e indicativos de toda a situação, e além disso, revelando as
experiências do chá de maneira mais prática e a segunda com uma percepção mais
sensorial e intuitiva dessa experiência. já a paisagem, delineia toda a
situação como um olhar de fora, dando descrições de todo o percurso deste
sujeito e também do espaço no qual está inserido.
a escola impressionista tem uma característica
que vai ao encontro deste texto. fora de uma discussão determinista, as
pinturas impressionistas não desenham uma linha que delineie o sujeito,
separando-o da paisagem em que está inserido. neste texto também acontece isso.
as instâncias em primeira pessoa, o pensamento e o mirante juntamente com a
instância em terceira pessoa, a paisagem, dão pistas deste sujeito o qual
acompanhamos a experiência. o espaço, as sensações e os pensamentos se
entrecruzam e nos apresentam esse sujeito lacunar, sem contornos definíveis em
relação aquela situação, o próprio texto dá as chaves de entendimento: “o que
saiu de mim me desfez, desfazendo a minha fronteira com o mundo”.
o texto segue dando enfoques às alucinações deste
sujeito. a utilização de drogas na construção de um pensamento sobre a arte é
decorrente na história. um desses momentos é o simbolismo, o que muito pode se
ligar a este texto. em seus escritos, eles acreditavam ser através do uso do
haxixe que se podia alcançar possibilidades que muito serviram à arte,
religando o artista à uma esfera divina.
a citação de diversos artistas, escritos,
músicos, usada para referenciar a arte enquanto ritual, enquanto experiência
sensorial, é recorrente em todo o texto.
porém a maior questão do texto me parece ser a
dosagem das certezas do autor em detrimento à experiência estética. as
experiências do pensamento parece se espandir em detrimento das outras instâncias,
trazendo ao texto um ar informativo beirando o manifesto. a arte enquanto
ritual fica mais no discurso e pouco atinge à linguagem apreendida, e
consequentemente o leitor. a necessidade de instaurar essa noção ritualística
da experiência, de certa maneira contextualizando o leitor, acabou por ser
enfática a ponto de nos afastar de qualquer possibilidade de acesso ao
sensorial e sinestésico do texto. o leitor acompanha o percurso desta
experiência mas dela não se apodera.
a questão pode ser que seja a dosagem entre o
convite ao ritual, apresentando como maneira de acesso à experiências
distintas, e a sua informação, de forma que o texto não se aproxime do hermetismo
mas tampouco de apresente mais indicativo do que convidativo.
mais informações sobre o projeto em: www.janeladedramaturgia.wordpress.com
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