segunda-feira, 10 de junho de 2013

janela de dramaturgia - segundo encontro


segundo encontro





como sair ileso aos últimos acontecimentos no brasil?
em meio à tantas palavras e à tantos silêncios, tantas pessoas às ruas e tantas outras em casa, como responder à esse turbilhão? as bandeiras são tantas e tão diversas que a palavra no papel, a dramaturgia, não pode, não deve (impossível) ficar alheia a isso!
como responder a esses eventos? tematizando? metaforizando? criticando? contextualizando?
sim.
mas me parece que o que isso tudo nos pede é coragem de arrebentar todas os formatos pré-estabelecidos também da dramaturgia, da linguagem teatral.
não dá pra ir às ruas e ao mesmo tempo indicar, hierarquicamente, o que é ou não teatro.
a assembléia está posta a cada vez que o público encontra os atores. aí está mais um ato político.
e nunca antes do brasil, a palavra (ou mesmo a falta dela) foi tão múltipla, fragmentada, rizomática.
vamos abrir todos os nossos buracos.
às ruas e ao teatro.
coragem!!!!!


o recado – alice vieira




num universo que desenvolve a terceira idade enquanto protagonista e revela um ambiente que evoca o sentimentalismo (o amor e a solidão), o recado de alice vieira aponta para condições simples e por si só contraditórias. dividido em dois momentos, a apresentação do universo do personagem principal - sr. tarcísio - e posteriormente a sua aventura na busca de uma nova companheira depois da morte da esposa de anos, acompanhamos essa narrativa de maneira imersa.

nesse primeiro momento, um monólogo em que se apresenta o passado do personagem principal em primeira pessoa, vemos contradições surgirem. a potência do texto está em revelar o lado áspero, calejado, descrente e impaciente da terceira idade. sem deixar a poeticidade - através de imagens singelas e delicadas - nos deparamos com afirmações do tipo: "uma vida tão sem graça como aquela sopa velha que ela fazia. para descer melhor. para sair melhor. pra não grudar na dentadura". e então essa imagem da dentadura, tão característica da terceira idade e ao mesmo tempo tão impactante ficará marcada no imaginário do leitor. todo monólogo assim se segue, entre pequenas singelezas na narração desse senhor de 80 anos no contraste duro e desesperançoso de sua condição.

no segundo momento, carcaterísticas do teatro épico surgem da narrativa. a figura do radialista se transforma de um personagem imerso na ficção à um narrador onisciente que se introjeta nos pensamentos dos personagens. outras figuras também aparecem, mesmo que pontualmente, neste segundo momento, e é aqui que a procura por uma nova parceira começa a se desenvolver. o interessante deste ocasião é que a narração do radialista revela um ideal amoroso, de um universo romântico bucólico, típico da juventude. já as ações e as falas do personagem principal nos puxam para um outro universo, o do medo, o vômito e também da efervescência sexual da terceira idade.

várias imagens nos trazem esse contraste: o beijo e a dentadura, o amor e a sopa rala, a inocência e a malícia. todas essas paisagens desembocam no fim do texto com a narração do radialista que indica o sorvete derretido na mão do protagonista como uma analogia ao gozo, ao estado extremamente sexual daquele homem, velho, que vai ao encontro do seu amor da juventude. 

num formato extremamente compacto e objetivo o texto pouco se arrisca em outras possibilidades formalísticas se atendo à expor o universo desse personagem aos moldes dramáticos, com pequenas - e inofensivas - inserções épicas. a proposta merece um novo fôlego que tente potencializar as contradições que já apontamos nesta discussão. a temática da velhice, tão bem explorada no cinema contemporâneo, merece mais espaço no teatro, por oferecer, não só no desenvolvimento dos conflitos dessa idade, um campo vasto de exploração da palavra neste corpo envelhecido, nessa fisicalidade outra, adentrando ao espaço orgânico do teatro.


ao persistirem os sintomas - eder rodrigues




o texto de eder rodrigues, ao persistirem os sintomas, inicia com imagens paratextuais que instauram um universo formal prescritivo, ressaltando principalmente o formato com característica de indicações médicas. a palavra nesse texto quer elaborar um pensamento acerca das sensações induzidas, ora pelo uso de medicamentos, ora pelo uso de drogas (resgatando uma áurea da década de 70) ou ainda por qualquer outro dispositivo (a música, por exemplo) que possa acionar a percepção de sensações variadas. a dramaturgia apresenta três figuras que, numa relação muito tênue, ou quase inexistente, desenvolvem suas reflexões sobre temas diversos. encontramos seres muito distintos: m (uma mulher que tenta convencer alice a sair de um buraco) h (um homem que arruma uma mala, decidindo a necessidade ou não de alguns objetos, ele vai ao encontro de deus) e c ( um corpo andrógeno que reluz ao mínimo toque).

todo primeiro momento do texto é repleto de rubricas que, em meio a indicações poéticas - que nos lembram as proposições dos textos de grace passô - e outras rubricas extremamente indicativas - que detalham a posição cênicas dos atores e também todo um prólogo no qual os espectadores são convidados a ingerir um remédio e se descomprometizar por seus atos a partir daquele momento - nos revelam um todo múltiplo e contraditório, propondo com detalhes (tanto material, físico quanto ambientais, poéticos) orientações de como o espetáculo deve ser iniciado. essa quantidade exacerbada de informações se reflete também na fala dos personagens.

marcado por grandes monólogos, o texto tem a características das vanguardas européias, recorrendo à escrita automática, utilizada principalmente pelo surrealista andré breton, e expondo um fluxo de consciência crescente, numa verborragia propositalmente sem nexo. a ideia principal da escrita mecânica é a de retirar o autor de um estado crítico e racional, revelando a partir do seu inconsciente outras imagens e possibilidade de utilização da palavra e de relação com as experiências do autor. esse formato me parece proposital num texto que se pretende o alcance de várias sensações, retirando a formatação de uma história racional como prioridade do texto.

porém essa ins-piração presente na fala dos personagens nos afastam cada vez mais de suas questões e elimina a possibilidade de sentir, vivenciar aquelas palavras no papel. o próprio texto dá a chave de entendimento: "olha como [uma palavra] perde o sentido se você ficar repetindo"; porém, neste texto, o sentido se esvai e a materialidade da palavra também não nos chama atenção, causando desinteresse e anodinia. o interessante, neste caso, seria tentar procurar nas palavras a sua potencialidade de criar estados e sensações, e não de dizê-los. neste texto a palavra diz, mas não faz. a verborragia nos apresenta três personagens distintos, vivendo (mesmo que mentalmente) várias situações, mas as mesmas palavras não alcançam o leitor, que divaga, se descola daquelas inúmeras palavras, que durante todo o texto, utilizam-se da mesma estrutura de fluxo.

talvez todas essas questões também se atenuam num meta-teatro raso, e como uma desculpa de suas próprias inabilidades, o texto afirma: "os livros que liam para eu dormir diziam tantas profundidades que eu tive receio de dizer que eu era supérflua, rasa, que nos meu olhos não caberiam nenhuma gota dessa vã e custosa profundidade", numa clara oposição à qualquer tipo de reflexão mais crítica e racional do texto.

porém, a leitura aponta para uma proposição riquíssima: "não descobri ainda o que deus tomou naquela semana ins-piradora. ou você acha que ele criou tudo isso aqui fazendo anotações num bloco de notas e conferindo uma lista de compromissos?". como apreender a inspiração de nosso tempo? o fluxo da consciência deu vazão no início do século 20, nos mostrando na forma, maneiras diferentes de vivenciar, experiênciar a palavra. como podemos criar mundos no nosso tempo? como acessar ao nosso sinthoma e ao mesmo tempo não ceder às proposições já objetivadas da contemporaneidade? não há receitas, nunca há.

mais informações sobre o projeto em: www.janeladedramaturgia.wordpress.com