quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

por elise - grace passô




o que nos salta aos olhos na escritura de grace passô em por elise, publicada pela cobogó, é a imersão em um espaço de poesia cênica, de presença teatral na escritura de suas peças. isso se justifica, em grande parte, pela sua construção em processo colaborativo – na comunhão com atores e equipe técnica. a horizontalidade das relações, característica desse processo de construção da cena, revela no texto a sua dependência, seu condicionamento à encenação de origem, o que nas mãos da dramaturga mineira ganha em sublimação e liricidade, nos despertando o interesse. 

em complemento, o texto revela uma discussão metateatral, ressaltada na cena final, quando se revela o além cena: as cortinas são levantadas, todo aparato cênico se torna discurso. a primeira cena, onde a rubrica indica: “a peça não começou”, traz à tona a discussão sobre a ficção e a realidade, o que também é ressaltado na partitura de ações dos atores, o que acentua a idéia de que estamos todos reunidos em uma sala, compartilhando um tempo e espaço presente, a comunhão atores e público. antes de tudo, trata-se de teatro.

justamente por ser escrito em processo criativo alguns pontos da publicação nos chamam atenção e acabam por ressaltar a capacidade de lirismo da autora. em um encontro em curitiba, grace revelou que as rubricas dos textos são revisadas e reescritas de maneira distinta em relação à versão que é utilizada durante o processo de montagem da peça. ela nos contou que, nas publicações, as rubricas não somente descrevem algumas ações que os atores/personagens devem executar em cena, mas principalmente elas revelam a importância dessas ações para a poética do texto, e apresentam ao leitor, uma áurea, uma superfície que instaura um ambiente poético no texto. essa é a primeira questão que podemos observar no texto, já que na cena “início. o recomeço” a rubrica descreve movimentos de tai chi chuan, revelando as ações dos atores. mas além disso, a rubrica conversa (literalmente), convence o leitor acerca da necessidade desses movimentos para a construção desse ambiente cênico e literário.








outro ponto importante que nos intriga na leitura do texto é justamente a impressão de que todas as palavras são direcionadas ao ator. no epígrafe da peça: “bilhete da senhora elise para os atores”, isso fica mais claro. essa característica pode, em alguma instância, afastar o leitor mais acostumado às características tradicionais da literatura dramática. Isso acontece justamente porque a todo momento, somos convidados a nos afastar da ficção apresentada em fragmentos e nos evoca à liricidade das palavras ali presentes, das imagens construídas, arquitetadas na cena. além disso, o dramaturgo suíço valère novarina nos revela “não vejo diferença entre o leitor e o ator. o trabalho é o mesmo, doar o seu sopro para criar a instância de poeticidade da obra”. então, ao mergulhar no texto de grace, o leitor é convidado a vivenciar aquelas palavras, aquelas imagens através do sopro que carregamos e que emprestamos à obra no momento em que a lemos. 


os personagens estão num tempo espaço suspenso. é uma rua, eles correm, mas estão submersos em suas questões, suas dúvidas, seus medos. não há ação, dessas tradicionais, reconhecíveis num drama convencional, apresentação dos personagens, apresentação do conflito, ápice... estamos num tempo espaço suspenso, lírico.

cuidado com o que planta no mundo. todos os signos que se apresentam no espetáculo - o abacate, o cachorro, as galinhas, os cigarros, o colchão, a corrida, os latidos, a espuma - tudo isso no fim das contas nos fala sobre a impossibilidade de proteção, sobre a impossibilidade de controlarmos os nossos próprios sentimentos e de nos colocarmos em condição de segurança. todas essas questões são apresentadas de maneira extremamente suave e lírica, que por hora, com sua força poética, nos arrebata enquanto seres humanos e nos toca, sensorialmente, através dessas imagens desconexas, de situações cotidianas e absurdas, pois estão no palco e nos convidam a retirá-las de sua inércia diária, e nos põem em pé, atônitos, perplexos sobre o advento da própria vida. "palmas que ao invés de contemplar o outro, nos põem a pensar sobre nos mesmos".

Um comentário:

  1. Obrigado por nos proporcionar tão rico material em sua página !Mil vezes obrigado .

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