O texto abaixo trabalha com os principais termos utilizados para designar o texto escrito para o teatro, e também compõe um dos capítulo iniciais da minha dissertação. Preferi colocá-lo em formato reduzido, sintetizando os pontos que acho mais importantes para talvez, ajudar na discussão acerca do termo no Brasil a partir do Dicionário de Teatro, escrito por Patrice Pavis.
Antes de dar seguimento à discussão acerca do texto teatral na
contemporaneidade, compreende-se a necessidade de apontar, a princípio, as principais
definições e também o uso lexical dos termos drama, dramaturgia e texto
dramático, que, no Brasil, habitualmente, designam a mesma noção. A necessidade
de se inserir um tópico acerca desses conceitos se dá justamente na atualização
do seu uso, já que este se modifica juntamente com as transformações dos
preceitos que os regem.
Recorreremos ao Dicionário de Teatro escrito pelo
pesquisador francês Patrice Pavis para tratar desde primeiro tópico.
Consultamos os termos acima citados e outros para delinear seus usos na França.
Após a apresentação desses conceitos, faremos uma ponte entre a utilização no
Brasil e França.
Para Pavis em seu dicionário, o uso da
expressão drama faz uma
referência direta à escola do drama burguês do século XVIII, cujo período
mantinha o texto como o centro da produção teatral, seguindo as regras de
diálogo, causalidade, ilusionismo e conflito. Conforme o teórico, o termo, de
maneira mais geral, também é designado para referenciar o texto teatral, o
gênero literário dramático.
Já na palavra dramaturgia,
Pavis classifica a sua utilização em momentos históricos pontuais. No Sentido Original e Clássico, Pavis
afirma que dramaturgia é “a técnica (a poética) da arte dramática, que procura
estabelecer os princípios de construção da obra” (PAVIS, 2007, p. 113), ou
seja, dramaturgia era compreendida como a técnica que a diferenciava de outros
gêneros literários. Pavis esclarece que “a dramaturgia clássica examina
exclusivamente o trabalho do autor e a estrutura narrativa da obra. Ela não se
preocupa diretamente com a realização cênica do espetáculo” (PAVIS, 2007, p.
113). Quando Pavis prossegue a discussão apresentando a dramaturgia como a
atividade do dramaturgo fica mais clara a diferença entre o uso do termo no
Brasil e na França. Neste verbete o teórico apresenta a dramaturgia, assim como
em Brecht, como o conjunto de estratégias e escolhas estéticas do espetáculo
como um todo, passando pelo texto, ator, direção até o iluminador, figurinista
e etc. Essa concepção “tende, portanto a ultrapassar o âmbito de um estado do
texto dramático, para englobar texto e realização cênica” (PAVIS, 2007, p. 113)
instaurando um uso mais global do termo dramaturgia.
É necessário então, discutir porque, no Brasil, ainda é tão
utilizada palavra dramaturgia para se designar o texto teatral[1].
É claro que aqui, já encontramos discussões que abarcariam a dramaturgia do
ator, a dramaturgia do corpo, a dramaturgia da luz e etc., mas o termo
desligado de seus complementos nominais ainda é direcionado para a compreensão
da parte literária, do texto escrito no teatro.
A essa questão somamos outra diferenciação de termos no Brasil e
no que Pavis nos apresenta no dicionário. Quando consultamos o uso da palavra dramaturgo, encontramos
primeiramente: “autor de dramas” e em seguida: “atualmente, o costume francês
prefere o termo autor dramático” (PAVIS, 2007, p. 116). Seguindo a leitura
deste verbete, encontra-se no emprego técnico moderno a seguinte definição de
dramaturgo: “designa atualmente o conselheiro literário e teatral agregado a
uma companhia teatral, a um encenador ou responsável pela preparação de um
espetáculo” (PAVIS, 2007, p. 117). É a partir dessa segunda definição que irá
se discutir o seu uso no Brasil.
Essa função do emprego técnico moderno no francês traduzido como
dramaturgo, tem sua equivalência na prática teatral brasileira o uso da palavra
dramaturgista que designa
exatamente a mesma função, aquele que participa da criação cênica e atua como
um conselheiro ou assistente para questões tanto literárias quanto teatrais[2].
Portanto o dramaturgo no Brasil ainda confere o status daquele que escreve o
texto, mesmo que este texto seja escrito durante o processo de criação do
espetáculo.
E por fim, é na definição de texto
dramático, ainda no Dicionário
de Pavis, que mais nos aproximamos das questões da contemporaneidade que
gostaríamos de discutir neste estudo:
É
muito problemático propor uma definição de texto dramático que o diferencie dos
outros tipos de textos, pois a tendência atual da escritura dramática é reivindicar
não importa qual texto para uma eventual encenação. [...] Todo texto é
teatralizável, a partir do momento que o usam em cena. O que até o século XX
passava pela marca do dramático – diálogos, conflito e situação dramática,
noção de personagem – não é mais condição sine
qua non do texto destinado à cena ou nela usado. (PAVIS, 2007, p. 405)
O que Pavis nos
propõe ao definir a expressão texto dramático é justamente a reflexão que
desenvolveremos mais adiante. Conscientes da transformação de suas características
antes tão pontuais, a sua definição passa por discussões inclusive acerca da
própria concepção de teatro na contemporaneidade.
REFERÊNCIA: PAVIS, Patrice.
Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1997.
REFERÊNCIA:
A partir deste panorama rápido dos termos na utilização francesa e seus equivalentes no Brasil, podemos realizar duas afirmações:
- diferentemente do uso do termo na França, dramaturgia no Brasil é muito ligada à concepção de texto dramático. E a preferência francesa pelo uso de autor dramático, para designar a figura que escreve - no lugar de dramaturgo, como se usa no Brasil - se justifica também pela confusão que esses termos ainda apresentam. Nestas classificações encontra-se também um problema de tradução, não dando ênfase necessária na diferenciação dos termos dramaturgo e dramaturgista. Mas, mesmo assim, o que se evidencia nesse panorama de definições é que, mesmo nas classificações de Pavis, encontramos passagens que deixam sinônimas as três expressões. No Brasil ainda se utiliza texto teatral como sinônimo de dramaturgia, drama e texto dramático.
- retirado o lugar central do texto dramático no espetáculo teatral, a escrita se transformou e não possui nenhuma função fundadora no acontecimento cênico. A dramaturgia se torna, então, mais um elemento juntamente à iluminação, figurino, atuação e etc. Essa agitação na sua utilização lexical também se justifica na transformação da função do texto teatral. Trata-se de condições interligadas. Mesmo que em meio às crises e baixas inovações, a dramaturgia continua existindo e produzindo novas maneiras de relação com cena, longe da sua tão proclamada extinção.
[1]
Essa afirmação se justifica nos
inúmeros núcleos, grupos de estudos, centros de investigações, disciplinas
acadêmicas e teorias, que carregam o termo dramaturgia e são estritamente
ligados ao texto teatral.
[2]
Podemos encontrar alguns aspectos
da prática do dramaturgista nos exemplos de Maria de Lourdes Rabetti - Beti
Rabetti - em seu artigo O Laboratório do
Dramaturg e os Estudos da Genética Teatral: Experimentos no qual ela cita
algumas experiências como Dramaturgista junto à carioca Companhia de Encenação
Teatral.
muito bom, Lígia. Você deixou bastante objetivo o que parece ser um nó; e valendo de Pavis.
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