sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

drama, dramaturgia ou texto dramático??





O texto abaixo trabalha com os principais termos utilizados para designar o texto escrito para o teatro, e também compõe um dos capítulo iniciais da minha dissertação. Preferi colocá-lo em formato reduzido, sintetizando os pontos que acho mais importantes para talvez, ajudar na discussão acerca do termo no Brasil a partir do Dicionário de Teatro, escrito por Patrice Pavis.






Antes de dar seguimento à discussão acerca do texto teatral na contemporaneidade, compreende-se a necessidade de apontar, a princípio, as principais definições e também o uso lexical dos termos drama, dramaturgia e texto dramático, que, no Brasil, habitualmente, designam a mesma noção. A necessidade de se inserir um tópico acerca desses conceitos se dá justamente na atualização do seu uso, já que este se modifica juntamente com as transformações dos preceitos que os regem.
Recorreremos ao Dicionário de Teatro escrito pelo pesquisador francês Patrice Pavis para tratar desde primeiro tópico. Consultamos os termos acima citados e outros para delinear seus usos na França. Após a apresentação desses conceitos, faremos uma ponte entre a utilização no Brasil e França.
         Para Pavis em seu dicionário, o uso da expressão drama faz uma referência direta à escola do drama burguês do século XVIII, cujo período mantinha o texto como o centro da produção teatral, seguindo as regras de diálogo, causalidade, ilusionismo e conflito. Conforme o teórico, o termo, de maneira mais geral, também é designado para referenciar o texto teatral, o gênero literário dramático.
Já na palavra dramaturgia, Pavis classifica a sua utilização em momentos históricos pontuais. No Sentido Original e Clássico, Pavis afirma que dramaturgia é “a técnica (a poética) da arte dramática, que procura estabelecer os princípios de construção da obra” (PAVIS, 2007, p. 113), ou seja, dramaturgia era compreendida como a técnica que a diferenciava de outros gêneros literários. Pavis esclarece que “a dramaturgia clássica examina exclusivamente o trabalho do autor e a estrutura narrativa da obra. Ela não se preocupa diretamente com a realização cênica do espetáculo” (PAVIS, 2007, p. 113). Quando Pavis prossegue a discussão apresentando a dramaturgia como a atividade do dramaturgo fica mais clara a diferença entre o uso do termo no Brasil e na França. Neste verbete o teórico apresenta a dramaturgia, assim como em Brecht, como o conjunto de estratégias e escolhas estéticas do espetáculo como um todo, passando pelo texto, ator, direção até o iluminador, figurinista e etc. Essa concepção “tende, portanto a ultrapassar o âmbito de um estado do texto dramático, para englobar texto e realização cênica” (PAVIS, 2007, p. 113) instaurando um uso mais global do termo dramaturgia.
É necessário então, discutir porque, no Brasil, ainda é tão utilizada palavra dramaturgia para se designar o texto teatral[1]. É claro que aqui, já encontramos discussões que abarcariam a dramaturgia do ator, a dramaturgia do corpo, a dramaturgia da luz e etc., mas o termo desligado de seus complementos nominais ainda é direcionado para a compreensão da parte literária, do texto escrito no teatro.
A essa questão somamos outra diferenciação de termos no Brasil e no que Pavis nos apresenta no dicionário. Quando consultamos o uso da palavra dramaturgo, encontramos primeiramente: “autor de dramas” e em seguida: “atualmente, o costume francês prefere o termo autor dramático” (PAVIS, 2007, p. 116). Seguindo a leitura deste verbete, encontra-se no emprego técnico moderno a seguinte definição de dramaturgo: “designa atualmente o conselheiro literário e teatral agregado a uma companhia teatral, a um encenador ou responsável pela preparação de um espetáculo” (PAVIS, 2007, p. 117). É a partir dessa segunda definição que irá se discutir o seu uso no Brasil.
Essa função do emprego técnico moderno no francês traduzido como dramaturgo, tem sua equivalência na prática teatral brasileira o uso da palavra dramaturgista que designa exatamente a mesma função, aquele que participa da criação cênica e atua como um conselheiro ou assistente para questões tanto literárias quanto teatrais[2]. Portanto o dramaturgo no Brasil ainda confere o status daquele que escreve o texto, mesmo que este texto seja escrito durante o processo de criação do espetáculo.
E por fim, é na definição de texto dramático, ainda no Dicionário de Pavis, que mais nos aproximamos das questões da contemporaneidade que gostaríamos de discutir neste estudo:

É muito problemático propor uma definição de texto dramático que o diferencie dos outros tipos de textos, pois a tendência atual da escritura dramática é reivindicar não importa qual texto para uma eventual encenação. [...] Todo texto é teatralizável, a partir do momento que o usam em cena. O que até o século XX passava pela marca do dramático – diálogos, conflito e situação dramática, noção de personagem – não é mais condição sine qua non do texto destinado à cena ou nela usado. (PAVIS, 2007, p. 405)

O que Pavis nos propõe ao definir a expressão texto dramático é justamente a reflexão que desenvolveremos mais adiante. Conscientes da transformação de suas características antes tão pontuais, a sua definição passa por discussões inclusive acerca da própria concepção de teatro na contemporaneidade. 

REFERÊNCIA: PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1997.





A partir deste panorama rápido dos termos na utilização francesa e seus equivalentes no Brasil, podemos realizar duas afirmações:


- diferentemente do uso do termo na França, dramaturgia no Brasil é muito ligada à concepção de texto dramático. E a preferência francesa pelo uso de autor dramático, para designar a figura que escreve - no lugar de dramaturgo, como se usa no Brasil - se justifica também pela confusão que esses termos ainda apresentam. Nestas classificações encontra-se também um problema de tradução, não dando ênfase necessária na diferenciação dos termos dramaturgo e dramaturgista. Mas, mesmo assim, o que se evidencia nesse panorama de definições é que, mesmo nas classificações de Pavis, encontramos passagens que deixam sinônimas as três expressões. No Brasil ainda se utiliza texto teatral como sinônimo de dramaturgia, drama e texto dramático.

- retirado o lugar central do texto dramático no espetáculo teatral, a escrita se transformou e não possui nenhuma função fundadora no acontecimento cênico. A dramaturgia se torna, então, mais um elemento juntamente à iluminação, figurino, atuação e etc. Essa agitação na sua utilização lexical também se justifica na transformação da função do texto teatral. Trata-se de condições interligadas. Mesmo que em meio às crises e baixas inovações, a dramaturgia continua existindo e produzindo novas maneiras de relação com cena, longe da sua tão proclamada extinção.






[1] Essa afirmação se justifica nos inúmeros núcleos, grupos de estudos, centros de investigações, disciplinas acadêmicas e teorias, que carregam o termo dramaturgia e são estritamente ligados ao texto teatral.
[2] Podemos encontrar alguns aspectos da prática do dramaturgista nos exemplos de Maria de Lourdes Rabetti - Beti Rabetti - em seu artigo O Laboratório do Dramaturg e os Estudos da Genética Teatral: Experimentos no qual ela cita algumas experiências como Dramaturgista junto à carioca Companhia de Encenação Teatral.

Um comentário:

  1. muito bom, Lígia. Você deixou bastante objetivo o que parece ser um nó; e valendo de Pavis.

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