o segundo texto do dramaturgo e também ator felipe rocha foi editado pela carioca
cobogó e coleciona três prêmios de melhor autor em 2011.
são personagens facilmente
reconhecíveis: o pai, a mãe, a filha, a filha que se torna mãe, o filho, o pai,
o avô... essas figuras vão se mesclando, se transformando de maneira a nos
apresentar flashes de suas existências, que, seguindo uma cronologia – mas não
uma unidade de tempo - nos mostram o cotidiano de uma família, que bem poderia ser a nossa.
o texto é composto por várias
cenas desconexas que são alinhadas sem que necessariamente apontemos um início
ou um fim bem delineado. são flashes que apresentam de maneira absurda e
hiperbólica situações típicas de toda família: a invenção de histórias antes de
dormir, a criança que se perde durante uma viagem, o pai que espera de madrugada a chegada da filha
jovem, a atração por um
empregado da casa, a mãe que trabalha o dia inteiro para sustentar a casa, o
pai que fica em casa cuidando dos filhos... situações, tempos, ficção,
realidade, personagens vão se mesclando na construção de uma reflexão acerca da
família e dos papéis (rotativos?) que encarnamos neste círculo de pessoas.
um recurso que a todo tempo é
utilizado é a ênfase na situação de tempo presente ressaltando que se trata de
atores e público compartilhando o espaço do teatro. o texto propõe que, mesmo
num contexto, numa situação ficcional, a presença do público seja evocada, como
no trecho: “e quem vai ficar com a gente?/ essa senhora aqui pode cuidar de
vocês. não pode? [para uma pessoa da platéia]”.
percebemos também que a
dramaturgia foi escrita à medida em que foi encenada, deixando claro que
algumas opções da dramaturgia foram introduzidas pela encenação e incorporada
ao texto. isto apresenta, de certa maneira, um grande risco para o leitor que
não carrega o interesse na construção da cena.
por exemplo: mais ou menos na
metade do texto encontramos a rubrica: “na nossa versão, eles montam uma tenda
de lençóis, depois de uma certa disputa pelos objetos que estão em cena.” essa rubrica quando revela a escolha
“na nossa versão” indica que esta foi uma opção da encenação e que pode ser
modificada em outras ocasiões. no trecho final do espetáculo encontramos novamente
a indicação: “na nossa encenação, os três atores voltam, durante a última fala
de patrick, para dentro da tenda de lençóis que montaram no início da peça.
ouvimos suas vozes por trás dos panos”.
a cena final é toda arquitetada a
partir da existência dessa tenda de lençóis – as falas dos atores são
proferidas de dentro dela – porém o autor se exime na indicação da necessidade
desse signo material. parece uma questão simples, menor, sem importância, mas
ela esconde, ainda, um embate na relação texto e cena. estando de acordo com a
liberdade do processo de criação coletiva, ou colaborativa, o autor recua na
hora de impor signos materiais para a texto, com o medo de ser rotulado como
“ditador”, isto nos parece.
esse fato faz com que o
texto enquanto tal se mostre frágil, com buracos que ao invés de ressaltar o
espaço em aberto da encenação acaba por criar uma falha nas relações que se
instauram no papel e que saltam aos olhos do leitor puramente interessado no
universo ficcional ali apresentado.
qual a solução? inúmeras, que ao
mesmo tempo, se apresentam insatisfatórias. como dar cabo de duas linguagens e
de dois receptores simultaneamente, a platéia e o leitor? a arquitetura
lingüística que o texto promove, com os deslocamentos de tempo, espaço e
sujeitos, fazem jus aos prêmios teatrais que recebeu. porém, quando da sua
publicação, alguns pontos deveriam ser repensados com mais cuidado.
aparte essa questão, a
dramaturgia de felipe rocha nos encaminham à várias reflexões. a fluidez das
cenas tão distintas entre si nos carregam, encaminham para nós mesmo e então consideramos:
porque a família é algo tão centralizador na formação do sujeito? desde a
gênese bíblica a instituição familiar se mostra como normalizadora catalizadora
e responsável pela vida em sociedade. mas por quê? por que os laços familiares se
mostram, e ainda hoje se impõem, indissolúveis? já sabemos há muito que a
consangüinidade não é mais a característica que os une. por que não abandonar um
filho? por que não abandonar os pais? que ética é essa que dita as relações
familiares? aprisionamentos? ninguém falou que seria fácil, então, por que
insistir?
o texto não diz. são os buracos, propositais, nos quais o leitor se projeta.
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