quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

ninguém falou que seria fácil - felipe rocha




o segundo texto do dramaturgo e também ator felipe rocha foi editado pela carioca cobogó e coleciona três prêmios de melhor autor em 2011.

são personagens facilmente reconhecíveis: o pai, a mãe, a filha, a filha que se torna mãe, o filho, o pai, o avô... essas figuras vão se mesclando, se transformando de maneira a nos apresentar flashes de suas existências, que, seguindo uma cronologia – mas não uma unidade de tempo - nos mostram o cotidiano de uma família, que bem poderia ser a nossa.

o texto é composto por várias cenas desconexas que são alinhadas sem que necessariamente apontemos um início ou um fim bem delineado. são flashes que apresentam de maneira absurda e hiperbólica situações típicas de toda família: a invenção de histórias antes de dormir, a criança que se perde durante uma viagem, o pai que espera de madrugada a chegada da filha jovem, a atração por um empregado da casa, a mãe que trabalha o dia inteiro para sustentar a casa, o pai que fica em casa cuidando dos filhos... situações, tempos, ficção, realidade, personagens vão se mesclando na construção de uma reflexão acerca da família e dos papéis (rotativos?) que encarnamos neste círculo de pessoas.

um recurso que a todo tempo é utilizado é a ênfase na situação de tempo presente ressaltando que se trata de atores e público compartilhando o espaço do teatro. o texto propõe que, mesmo num contexto, numa situação ficcional, a presença do público seja evocada, como no trecho: “e quem vai ficar com a gente?/ essa senhora aqui pode cuidar de vocês. não pode? [para uma pessoa da platéia]”.

percebemos também que a dramaturgia foi escrita à medida em que foi encenada, deixando claro que algumas opções da dramaturgia foram introduzidas pela encenação e incorporada ao texto. isto apresenta, de certa maneira, um grande risco para o leitor que não carrega o interesse na construção da cena.

por exemplo: mais ou menos na metade do texto encontramos a rubrica: “na nossa versão, eles montam uma tenda de lençóis, depois de uma certa disputa pelos objetos que estão em cena.”  essa rubrica quando revela a escolha “na nossa versão” indica que esta foi uma opção da encenação e que pode ser modificada em outras ocasiões. no trecho final do espetáculo encontramos novamente a indicação: “na nossa encenação, os três atores voltam, durante a última fala de patrick, para dentro da tenda de lençóis que montaram no início da peça. ouvimos suas vozes por trás dos panos”.



a cena final é toda arquitetada a partir da existência dessa tenda de lençóis – as falas dos atores são proferidas de dentro dela – porém o autor se exime na indicação da necessidade desse signo material. parece uma questão simples, menor, sem importância, mas ela esconde, ainda, um embate na relação texto e cena. estando de acordo com a liberdade do processo de criação coletiva, ou colaborativa, o autor recua na hora de impor signos materiais para a texto, com o medo de ser rotulado como “ditador”, isto nos parece.

esse fato faz com que o texto enquanto tal se mostre frágil, com buracos que ao invés de ressaltar o espaço em aberto da encenação acaba por criar uma falha nas relações que se instauram no papel e que saltam aos olhos do leitor puramente interessado no universo ficcional ali apresentado.

qual a solução? inúmeras, que ao mesmo tempo, se apresentam insatisfatórias. como dar cabo de duas linguagens e de dois receptores simultaneamente, a platéia e o leitor? a arquitetura lingüística que o texto promove, com os deslocamentos de tempo, espaço e sujeitos, fazem jus aos prêmios teatrais que recebeu. porém, quando da sua publicação, alguns pontos deveriam ser repensados com mais cuidado.

aparte essa questão, a dramaturgia de felipe rocha nos encaminham à várias reflexões. a fluidez das cenas tão distintas entre si nos carregam, encaminham para nós mesmo e então consideramos: porque a família é algo tão centralizador na formação do sujeito? desde a gênese bíblica a instituição familiar se mostra como normalizadora  catalizadora e responsável pela vida em sociedade. mas por quê? por que os laços familiares se mostram, e ainda hoje se impõem, indissolúveis? já sabemos há muito que a consangüinidade não é mais a característica que os une. por que não abandonar um filho? por que não abandonar os pais? que ética é essa que dita as relações familiares? aprisionamentos? ninguém falou que seria fácil, então, por que insistir?

o texto não diz. são os buracos, propositais, nos quais o leitor se projeta.

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