escrever sobre o texto de jô bilac é ao mesmo
tempo simples e complexo. simples pois todas as estratégias de escrita estão
num universo reconhecível para a dramaturgia ocidental. e complexo porque lidar
com essas referências sem cuidado, pode aplicar à obra um universo que a ela não
pertence, a tradição.
a maioria das obras que nos deparamos na
contemporaneidade raramente se pode rotular um gênero. todas trabalham num
limite, numa hibridez de possibilidades que fica impossível classificá-las num
gênero. esse enquadramento, na maioria das vezes, até diminui o valor das obras.
este não é o caso de alguém acaba de morrer lá
fora.
o próprio autor classifica: se trata de uma
comédia. para tanto, fui consultar uma bibliografia básica, relembrar alguns dos
principais tópicos do gênero na tradição, para dar cabo dessa rotulação. num dos
livros, numa reflexão sobre o sátiro, encontramos a definição de teatro de
boulevard como o responsável pelo afastamento, a desvalorização das obras satíricas.
e me parece ser esse gênero francês do século xix que pode muito bem dar cabo
das ferramentas encontradas nesta obra, com algumas exceções que iremos apontar
mais tarde.
alguém acaba de morrer lá fora apresenta
quatro personagens numa cafeteria, que num acaso se encontram a acabam por
compartilhar a morte de alguém lá fora, o que acaba por produzir reações
distintas entre elas.
a estrutura da peça se aplica diretamente ao
teatro de boulevard por conter nela todas as características da peça bem-feita,
do drama burguês, principalmente a condição social de seus personagens. a
primeira característica que nos deparamos é a utilização da rubrica como descrição
minuciosa do espaço, o lugar onde toda a ação irá transcorrer, a unidade de
espaço. as rubricas detalhistas, que encontramos ao longo de todo o texto, também
revelam pontualmente as caracteríscas dos personagens, numa descrição
psicológica e também histórica, esta, característica principal dos textos dramáticos
tradicionais por essência. e a estrutura principal que caracteriza o drama é o
desenvolvimento das ações somente pela fala dos personagem, ou seja, a
intersubjetividade nessa comédia é respeitada do início ao fim.
outras duas características marcantes acerca do entendimento do teatro de boulevard se dão principalmente sobre a temática e o sobre fato de produzir "divertimento com pouco esforço intelectual". me parece ser essa a intenção do texto, que apresenta a morte como tema central mas nela não se aprofunda e nem ataca. não estamos aqui também levantando a bandeira de que toda a comédia deva carregar em si um teor político social de denúncia. mas também não acreditamos ser na superficialidade que a comédia contemporânea irá recobrar o seu lugar de inventividade. a peça de jô bilac nos transparece uma comédia de bom tom que pretende, assim como o teatro francês de boulevard "apresentar apenas a superfície brilhante da vida social [...], os autores nunca correm o risco de perturbar".
a ferramenta que encontramos na peça que difere da estrutura da peça bem feita, se apresenta também como uma invenção já normatizada, principalmente pelo cinema hollywoodiano. a peça inicia com uma trama central e logo em seguida apresenta mais de uma opção de desfecho do enredo. nesta peça encontramos cinco opções diferentes como reações ao fato de alguém ter morrido lá fora, cada uma delas se relacionando diretamente com uma das personagens. em todas as cenas a linguagem do texto continua a mesma.
é certo que jô bilac consegue manipular a linguagem e a estrutura da peça bem-feita, aplicando-a à comédia e ao contexto da atualidade de maneira muito bem arquitetada, o que reforça a eficácia dessas ferramentas na construção de uma história. alguém acaba de morrer lá fora tem um enredo muito bem elaborado em todas as suas versões e com certeza exemplifica muito bem como as tradicionais estratégias da dramaturgia clássica podem ser utilizadas. mas aqui fica a nossa provocação: todas essas questões ainda fazem sentido na contemporaneidade? elas se apresentam como um espelho, reflexo do nosso dia a dia, superficial e cotidiano. mas qual será então a relação entre a realidade e a arte no nosso tempo? nivelar por baixo é subestimar a si próprio.
alguém acaba de morrer lá fora é editado pela cobogó.
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