terceiro
encontro
mas
o que é de fato o contemporâneo?
um
escuro. uma lugar que se direciona a nós,
no escuro. uma luz que não vemos. o trabalho da
retina produzindo o escuro. não, não é a
ausência de luz.
essas
definições são trazidas por giorgio
agamben, italiano que nos convence: na tentativa do contemporâneo
o que podemos fazer senão, falhar?
são tentativas
sem acerto. são incertezas. são
criações. não são
descobertas.
o
que nos instiga?
o
exercício dramatúrgico n° 2 –
byron o’neill
a
dramaturgia de byron o'neill, como um exercício,
nos é apresentada somente o primeiro ato de dois, conforme é
informado na rubrica inicial. e como todo exercício
inacabado muitas perguntas são incitadas, e a poucas
respostas podemos nos agarrar. são três
personagens principais, três mulheres, uma delas
carrega um nome masculino, benjamim, e as outras duas são
vonda e mary. somam-se a elas ainda mais duas, margareth e emely, que são
citadas várias vezes, mas que neste primeiro ato ainda não
aparecem. um personagem masculino, klauss, se apresenta no final desta primeira
parte.
essas
mulheres estão escondidas há um
bom tempo no que nos leva a acreditar que seja um porão, e
recorrentemente são interpeladas por um
tremor e bombardeio que abala todo o espaço.
elas estão à todo momento na suspeita
de uma invasão, da chegada de alguma
autoridade que irá descobrir seu
esconderijo. quando isso de fato acontece, o temor pela chegada desse capitão não se
concretiza tão potentemente. o
personagem, sem apresentar um tom de ameaçar,
misteriosamente pede pra falar com margareth que está
dormindo há muito tempo em um dos
aposentos da casa.
o texto
ainda apresenta um meta teatro que se materializa durante esses bombardeios,
quando as três mulheres se revezam na
representação das fábulas
de bambi e king kong. esse meta teatro também se
estende nas rubricas que, além de indicar ações
num âmbito ficcional, também
revelam a extensão dos tremores para o espaço da
plateia, onde pedaços da construção
teatral, caem sob os espectadores.
outras
imagens também nos são
apresentadas: a eminência de um incêndio,
a materialização de uma inundação
através do rompimento de um cano de água
(inundação que também transborda pelo espaço da
plateia), a ação insistente dessas
mulheres a descascar batatas - o seu único
alimento (o texto apresenta a intertextualidade com machado de assis - ao
vencedor as batatas, resgatando a metáfora
do encontrada no romance quincas borba), entre outras.
e
por último o texto apresenta ainda a ideia do café
como o líquido preto que pode assassinar, o que se concretiza
quando as mulheres matam o comandante klauss no fim do primeiro ato. o mesmo
café é sugerido como o motivo da
morte do pai de benjamim, que pode ter sido morto propositadamente por sua mãe.
todas
esses cenários tão instigantes nos
apresentam um universo muito rico de imagens e de proposições cênicas
que nos levam para um tempo e espaço distinto. porém,
poucas respostas nos são dadas no decorrer do
primeiro ato, e, como já nos atentava diderot, no
seu discurso sobre a poesia dramática, quando o texto
apresenta vários núcleos
de proposição, dificilmente o autor
conseguirá resolvê-los de uma só
vez. diderot ainda sugere que o autor vá
resolvendo as chaves aos poucos, de modo que o espectador possa percorrer o
trajeto do espetáculo de maneira mais clara
e que a trama não tenha ações
soltas, que acabem por não serem resolvidas e
arranjadas numa unidade de ação.
é certo que não falamos aqui de uma
estrutura dramática, e que a pluralidade
de imagens é uma das características
da modernidade, mas fica o risco e o desafio de arranjar essas imagens de
maneira a abrir as possibilidades de fruição da
obra pelo espectador. como engendrar essas imagens todas colocando em cheque a
posição do público da
contemporaneidade?
matá-lo é uma
das possibilidades, como acontece no fim do primeiro ato. mas então,
como existirá teatro? a assembleia, a
relação entre as partes, atores e público,
o cerne do teatro, está destruído.
então, como continuar? esse é o
desafio do segundo ato, o qual, instigados, esperamos a resolução.
o
estado da besta – marcelo dias costa
a peça
curta de marcelo dias costa apresenta o percurso de rufos, um gerente de uma
multinacional falida, que está preso num quarto de hotel
enquanto seus funcionários raivosos ameaçam
invadir o local. num tom cômico e farsesco,
acompanhamos a trajetória desse personagem
inocente que, encantado pela facilidade de uma promoção
inusitada, se torna uma peça facilmente manipulada
pelos acionistas da empresa.
nesse
quarto de hotel, rufos é interpelado por um dos
funcionários que se disfarça de
camareiro para então o ameaçar
ferozmente. depois que rufos o convence de sua inocência,
ele se torna um fiel escudeiro, ajudando-o a sair da situação. o
personagem principal ainda é enganado por uma
jornalista que acreditava ser sua amiga, e que acaba por editar a entrevista
concedida, piorando ainda mais sua situação
com os milhares de funcionários que o intimidam.
num
formato rigidamente dramático, as unidades de
tempo, espaço e ação são
respeitadas do começo ao fim (mesmo com a
inserção de uma tv - que em muitos momentos faz o papel de
narrador, sem infringir a concepção dramática
- e de um computador - que revela videoconferências
com os acionistas internacionais). o único
salto temporal da peça, bem no seu final, é
indicado através de um abrir e fechar de
cortinas, que retorna ao mesmo espaço
revelando, através da narração da
tv, o fim do enredo.
ressaltado
pela orientação inicial direcionada
diretor do espetáculo, o texto é
repleto de proposições melodramáticas
que em vários momentos nos lembra as novelas mexicanas, as quais
de tanto utilizar ferramentas já condicionadas do
melodrama, acabam por incitar o riso pelo exagero da situação. a
trama repleta de reviravoltas e revelações
inesperadas se somam a um ar forçosamente coloquial, com o
uso exacerbado da segunda pessoa do singular.
as
rubricas extremamente detalhistas, se prestam à
indicações precisas, de maneira similar aos textos dramáticos.
indicam precisamente o cenários, inclusive a cor de
objetos, e também as características
e ações dos personagens, dando pouco espaço
para um diálogo com a criação cênica
posterior. o que nos chama mais atenção é a
indicação inicial dirigida ao possível
diretor, que mostra uma formalidade que acompanha toda o discurso ficcional:
"ao senhor peço que não
poupe os atores...".
outra
questão que se destaca nos texto e que merece um pouco mais de
atenção é a resolução
final da problemática da fábula.
de maneira condensada, a fala da jornalista na televisão ligada
pela camareira enquanto limpa o quarto na cena final, resolve os conflitos da fábula
instantaneamente. acompanhamos todas as ações
de rufos e seu amigo no decorrer do texto, mas o desfecho se apresenta de
maneira rápida e impessoal, nos sendo anunciada através de
uma narração, o que pode levar ao espectador imerso na trama à uma
certa decepção, já que
o percurso do personagem não pôde ser
acompanhado até o seu fim da mesma
maneira como foi apresentado inicialmente.
por
fim, o texto apresenta características próprias
do teatro de boulevard e do melodrama. no boulevard, segundo patrice pavis em
seu dicionário, a estrutura dramática
é usada em prol da comédia
apresentando-se inofensiva e superficial, já no
melodrama, o exagero nas características e ações dos
personagens, que beiram os tipos, são
utilizados para aproximar e agradar o público.
todas essas características são
executadas pelo autor de maneira efetiva. porém
fica o questionamento de como essas proposições
podem dialogar com discussões da nossa contemporaneidade
e de como a retomada dos gêneros pode lançar
uma nova luz aos pensamentos da atualidade. num processo de historicização e adaptação
pode-se criar uma relação mais interessante e
instigante com o público do teatro de hoje.
o
texto de marcelo parece ter momentos em que se esforça
demais para atender os parâmetros do drama, com a
inserção de personagens extremamente pontuais e de situações
que atendam a lógica da verossimilhança da
obra. esse esforço poderia ser direcionado
de maneira a explodir os limites do gênero
e nos colocar, nós os leitores, em contato
com resoluções inesperadas e imprevisíveis,
de forma à contribuir às proposições
do próprio gênero na atualidade.
mais informações sobre o projeto em: www.janeladedramaturgia.wordpress.com
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