quarto encontro
o que é dramaturgia?
em nossos tempos parece que
qualquer tipo de afirmação irá delimitar e ferir as possibilidades de atuação na relação texto e cena.
e como foi no teatro do pós-guerra, a fixação de características e pontos nevrálgicos da linguagem na
contemporaneidade, acabará por diminuir a individualidade de cada obra.
ao mesmo tempo, faz necessário que, cada dramaturgo, ao
escrever uma obra, possa apresentar sua concepção de dramaturgia, não como um teatro tese, mas em
sua própria
forma, que deve tensionar, cortar, explodir os preceitos indicadores da tradição.
são espaços como o janela de
dramaturgia que devem ser referenciados por sua classe. o desejo de refletir de
maneira mais abrangente a ideia múltipla do texto teatral na contemporaneidade impulsiona a
produção e
o deleite de obras cada vez mais arriscadas.
e com isso o teatro ganha, e muito!
elon rabin não acredita na morte – ricardo alves jr e diego
hoefel
elon rabin não acredita na morte é uma adaptação do roteiro de mesmo nome
escrito por ricardo alves jr. e diego hoefel. acompanhamos um recorte específico da vida de elon rabin, um
senhor de meia idade que está à espera e também em busca de sua esposa desaparecida, madalena rabin.
a narrativa conta com 10
personagens, alguns bem pontuais, como as atendentes do hospital e 2 homens que
conversam, maldosamente, sobre a sua busca pela mulher; e outros mais
presentes, como a irmã de elon, que tenta reanimá-lo e colocá-lo de volta no eixo da vida
cotidiana ou ainda, rita, uma amiga que deixa escapar um afeto especial por
esse homem, porém, a
possibilidade de alguma relação entre os dois fica somente no campo sugestivo.
para destacar as nuances deste
percurso de elon, o texto dá cabo de um narrador que descreve cenas inteiras, instigando
o leitor a visualizar detalhes dos
movimentos dos personagens, e também explodindo o tempo-espaço geralmente limitado da
maioria das dramaturgias tradicionais.
o mais interessante do texto é a despreocupação com um enquadramento do que
preconcebemos ser dramaturgia. é cada vez maior a interação entre as linguagens e,
independente de recursos linguísticos característicos de cada gênero - o teatral e o cinematográfico - o texto revela nuances
de uma poética
potente e instigante, e acredito ser isso o maior ganho da escritura.
a ideia de aderência a uma linguagem,
atendendo as arquiteturas de construção características de cada proposição, me parece ultrapassada. até mesmo porque na
contemporaneidade os recursos estão cada vez mais híbridos. separá-los, nomeá-los, identificá-los seria uma perda, já que, corroborando com o heiner
muller, a dramaturgia que mais interessa é aquele em que se faz impossível sua encenação.
uma reflexão oportuna é justamente a necessidade de
se perceber qual linguagem o material sinthomático pede. o argumento pensado
para uma linguagem específica vai pedir de seus autores uma energia específica, diferente de outro gênero. e então a concepção, a resposta à pergunta, “o que é dramaturgia?”, ou “o que é roteiro?”, se apresentam na própria obra, revelando em seu próprio material a resposta que
alguns leitores, espectadores, procuram. cada obra deve se relacionar com a
linguagem de maneira singular e inventiva. esta me parece ser a chave do
pensamento contemporâneo.
para uma nova dramaturgia,
novos espectadores, já diziam juliana galdino e roberto alvim. o texto elon rabin
não acredita na morte levanta
alguns padrões
distintos do pensamento acerca do texto teatral. apesar de propor recursos
linguísticos
simples - o uso alternado da narração e da intersubjetividade - o ganho do texto parece ser a
sua poética,
lacunar e indiciosa, ressaltando no silêncio – principalmente do personagem principal - um turbilhão que se refere justamente à condição humana, complexa e tão particular.
embriões de
aniquilamento do sujeito – guilherme lessa
o texto de guilherme lessa
embriões de
aniquilamento do sujeito é divido em 3 partes distintas que ele denomina como embriões 1, 2 e 3. anterior às três cenas encontramos o excerto:
“no combate se conhece o homem.
no combate o homem se conhece.” sugerindo uma possibilidade de conexão das cenas tão distintas.
o embrião número 1, denominado "homem
seccionado", o mais denso dos três, apresenta dois sujeitos em situações antagônicas, um deles, preso a uma
cadeira, já não concebe a sua vida fora do
cativeiro. o outro homem, uma espécie de capataz, explica: “minha estratégia para me dar bem sempre foi
me dar mal”,
justificando a troca de lugar com o preso, ficando então entrelaçado na mesma corda. a troca
apresenta a poeticidade da ação; ao mesmo tempo em que desenrola o preso, prende a si próprio revelando a máxima: “no momento em que você age, você está preso”. na rubrica final, quando da
troca de lugares, percebemos que o tempo todo se tratava da condição de um só homem que, seccionado, se
divide em dois, um que vai em direção à janela, libertando-se e outro que permanece sentado, imóvel.
o segundo embrião, "eu, por exemplo"
apresenta uma senhorinha que fala de maneira verborrágica, de fluxo contínuo, sem nenhum crivo. com
nuances extremamente realística, a cena apresenta um momento da vida desta senhora de
mais idade que monologa com um desconhecido num ponto de ônibus. discorrendo sobre a sua
franqueza extrema, ela indica: "as pessoas têm que ser mais sinceras";
mas ao mesmo tempo atesta que "honestidade não é recomendável". um trecho da fala
da personagem revela também a forma como a linguagem se apresenta nesta parte: “eu não entendo e realmente não suporto gente que fala por
meio de sinal, de metáfora, de paráfrase, analogia.”
já o embrião número 3, “se a cobra estiver com fome”, apresenta um casal num
primeiro encontro com o terapeuta discorrendo sobre seus problemas conjugais,
principalmente no que diz respeito à rotina sexual do casal. o marido é norueguês, fazendo com o texto o
apresente com um português atrapalhado. entre conflitos diversos, o terapeuta
encerra a sessão e
então
desmarca toda a sua agenda de consultas do dia. uma rubrica indica que ele se
dirige até sua
casa e a base de remédios, adormece às 3 horas da tarde.
a conexão entre os três embriões não fica claro. o formato que
podemos entender neste texto seria a da "livre associação" no qual, imagens,
textos, objetos são
agrupados aleatoriamente propondo ao público que se coloque na construção dessas conexões. o formato é característica principalmente da
literatura surrealista, a partir da prática na psicanálise de freud.
o título também nos sugere algum tipo de
leitura: o aniquilamento do sujeito. não sendo desenvolvida através da linguagem - que ainda
apresenta um argumentação extremamente usual e cotidiana, característica principal do personagem
burguês com
identidade e constituição una - o aniquilamento pode ser percebido, talvez, nas
situações
colocada em cena, no qual o leitor percebe os personagens submersos pela
pequenez da existência
humana cotidiana.
mais informações sobre o projeto em: www.janeladedramaturgia.wordpress.com
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