segundo encontro
como sair ileso
aos últimos acontecimentos no brasil?
em meio à tantas
palavras e à tantos silêncios, tantas pessoas às ruas e tantas outras em casa,
como responder à esse turbilhão? as bandeiras são tantas e tão diversas que a
palavra no papel, a dramaturgia, não pode, não deve (impossível) ficar alheia a
isso!
como responder a
esses eventos? tematizando? metaforizando? criticando? contextualizando?
sim.
mas me parece que
o que isso tudo nos pede é coragem de arrebentar todas os formatos pré-estabelecidos
também da dramaturgia, da linguagem teatral.
não dá pra ir às
ruas e ao mesmo tempo indicar, hierarquicamente, o que é ou não teatro.
a assembléia está
posta a cada vez que o público encontra os atores. aí está mais um ato
político.
e nunca antes do
brasil, a palavra (ou mesmo a falta dela) foi tão múltipla, fragmentada, rizomática.
vamos abrir todos
os nossos buracos.
às ruas e ao
teatro.
coragem!!!!!
o recado – alice
vieira
num universo que
desenvolve a terceira idade enquanto protagonista e revela um ambiente que evoca
o sentimentalismo (o amor e a solidão), o recado de alice vieira aponta para
condições simples e por si só contraditórias. dividido em dois momentos, a
apresentação do universo do personagem principal - sr. tarcísio - e posteriormente
a sua aventura na busca de uma nova companheira depois da morte da esposa de
anos, acompanhamos essa narrativa de maneira imersa.
nesse primeiro
momento, um monólogo em que se apresenta o passado do personagem principal em
primeira pessoa, vemos contradições surgirem. a potência do texto está em
revelar o lado áspero, calejado, descrente e impaciente da terceira idade. sem
deixar a poeticidade - através de imagens singelas e delicadas - nos deparamos
com afirmações do tipo: "uma vida tão sem graça como aquela sopa velha que
ela fazia. para descer melhor. para sair melhor. pra não grudar na
dentadura". e então essa imagem da dentadura, tão característica da
terceira idade e ao mesmo tempo tão impactante ficará marcada no imaginário do
leitor. todo monólogo assim se segue, entre pequenas singelezas na narração
desse senhor de 80 anos no contraste duro e desesperançoso de sua condição.
no segundo
momento, carcaterísticas do teatro épico surgem da narrativa. a figura do
radialista se transforma de um personagem imerso na ficção à um narrador
onisciente que se introjeta nos pensamentos dos personagens. outras figuras
também aparecem, mesmo que pontualmente, neste segundo momento, e é aqui que a
procura por uma nova parceira começa a se desenvolver. o interessante deste
ocasião é que a narração do radialista revela um ideal amoroso, de um universo
romântico bucólico, típico da juventude. já as ações e as falas do personagem
principal nos puxam para um outro universo, o do medo, o vômito e também da
efervescência sexual da terceira idade.
várias imagens
nos trazem esse contraste: o beijo e a dentadura, o amor e a sopa rala, a
inocência e a malícia. todas essas paisagens desembocam no fim do texto com a
narração do radialista que indica o sorvete derretido na mão do protagonista como
uma analogia ao gozo, ao estado extremamente sexual daquele homem, velho, que
vai ao encontro do seu amor da juventude.
num formato
extremamente compacto e objetivo o texto pouco se arrisca em outras
possibilidades formalísticas se atendo à expor o universo desse personagem aos
moldes dramáticos, com pequenas - e inofensivas - inserções épicas. a proposta
merece um novo fôlego que tente potencializar as contradições que já apontamos
nesta discussão. a temática da velhice, tão bem explorada no cinema
contemporâneo, merece mais espaço no teatro, por oferecer, não só no
desenvolvimento dos conflitos dessa idade, um campo vasto de exploração da
palavra neste corpo envelhecido, nessa fisicalidade outra, adentrando ao espaço
orgânico do teatro.
ao persistirem os sintomas - eder rodrigues
o texto de eder
rodrigues, ao persistirem os sintomas, inicia com imagens paratextuais que
instauram um universo formal prescritivo, ressaltando principalmente o formato
com característica de indicações médicas. a palavra nesse texto quer elaborar
um pensamento acerca das sensações induzidas, ora pelo uso de medicamentos, ora
pelo uso de drogas (resgatando uma áurea da década de 70) ou ainda por qualquer
outro dispositivo (a música, por exemplo) que possa acionar a percepção de
sensações variadas. a dramaturgia apresenta três figuras que, numa relação
muito tênue, ou quase inexistente, desenvolvem suas reflexões sobre temas
diversos. encontramos seres muito distintos: m (uma mulher que tenta convencer
alice a sair de um buraco) h (um homem que arruma uma mala, decidindo a
necessidade ou não de alguns objetos, ele vai ao encontro de deus) e c ( um
corpo andrógeno que reluz ao mínimo toque).
todo primeiro
momento do texto é repleto de rubricas que, em meio a indicações poéticas - que
nos lembram as proposições dos textos de grace passô - e outras rubricas
extremamente indicativas - que detalham a posição cênicas dos atores e também
todo um prólogo no qual os espectadores são convidados a ingerir um remédio e
se descomprometizar por seus atos a partir daquele momento - nos revelam um
todo múltiplo e contraditório, propondo com detalhes (tanto material, físico
quanto ambientais, poéticos) orientações de como o espetáculo deve ser
iniciado. essa quantidade exacerbada de informações se reflete também na fala
dos personagens.
marcado por
grandes monólogos, o texto tem a características das vanguardas européias,
recorrendo à escrita automática, utilizada principalmente pelo surrealista
andré breton, e expondo um fluxo de consciência crescente, numa verborragia propositalmente
sem nexo. a ideia principal da escrita mecânica é a de retirar o autor de um
estado crítico e racional, revelando a partir do seu inconsciente outras
imagens e possibilidade de utilização da palavra e de relação com as
experiências do autor. esse formato me parece proposital num texto que se
pretende o alcance de várias sensações, retirando a formatação de uma história
racional como prioridade do texto.
porém essa
ins-piração presente na fala dos personagens nos afastam cada vez mais de suas
questões e elimina a possibilidade de sentir, vivenciar aquelas palavras no
papel. o próprio texto dá a chave de entendimento: "olha como [uma
palavra] perde o sentido se você ficar repetindo"; porém, neste texto, o
sentido se esvai e a materialidade da palavra também não nos chama atenção,
causando desinteresse e anodinia. o interessante, neste caso, seria tentar
procurar nas palavras a sua potencialidade de criar estados e sensações, e não
de dizê-los. neste texto a palavra diz, mas não faz. a verborragia nos apresenta
três personagens distintos, vivendo (mesmo que mentalmente) várias situações,
mas as mesmas palavras não alcançam o leitor, que divaga, se descola daquelas
inúmeras palavras, que durante todo o texto, utilizam-se da mesma estrutura de
fluxo.
talvez todas
essas questões também se atenuam num meta-teatro raso, e como uma desculpa de
suas próprias inabilidades, o texto afirma: "os livros que liam para eu
dormir diziam tantas profundidades que eu tive receio de dizer que eu era
supérflua, rasa, que nos meu olhos não caberiam nenhuma gota dessa vã e custosa
profundidade", numa clara oposição à qualquer tipo de reflexão mais
crítica e racional do texto.
porém, a leitura
aponta para uma proposição riquíssima: "não descobri ainda o que deus
tomou naquela semana ins-piradora. ou você acha que ele criou tudo isso aqui
fazendo anotações num bloco de notas e conferindo uma lista de
compromissos?". como apreender a inspiração de nosso tempo? o fluxo da
consciência deu vazão no início do século 20, nos mostrando na forma, maneiras
diferentes de vivenciar, experiênciar a palavra. como podemos criar mundos no
nosso tempo? como acessar ao nosso sinthoma e ao mesmo tempo não ceder às
proposições já objetivadas da contemporaneidade? não há receitas, nunca há.
mais informações sobre o projeto em: www.janeladedramaturgia.wordpress.com
mais informações sobre o projeto em: www.janeladedramaturgia.wordpress.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário