o texto trabalho de amores quase
perdidos escrito pelo dramaturgo carioca pedro brício faz parte da coleção
dramaturgias da editora cobogó.
a peça trata basicamente dos
diversos contratempos causados pelos relacionamentos amorosos. são quatro
atores que, invadindo o espaço de ficção do outro, constroem uma narrativa
fragmentada e desconstruída. três atores tem papéis mais bem delineados e se
dividem em contar, narrar a história e em apresentar, vivificar através das
cenas, as situações vividas por seus personagens. uma quarta atriz é
responsável por dar suporte a toda esta estrutura. mais a frente explicaremos
melhor sua função.
numa relação direta com o filme
francês jules e jim do diretor françois truffaut, que é citado várias vezes, o
texto apresenta as aventuras de dois amigos que se apaixonam pela mesma garota.
com um toque de fofura e comédia, o texto se revela num diálogo extremamente
excitante com as características do cinema indie americano, principalmente nos
diálogos rápidos e na apresentação de situações imprevisíveis dentro de um
universo cotidiano.
a dramaturgia apresenta algumas
estratégias da escrita literária clássica. em um dos textos do filósofo hegel
ele indica que a característica principal do gênero épico é a conjunção de uma
trama principal aliada a várias tramas adjacentes, sendo o escritor responsável
por dar conta de todas elas apresentando-as de maneira consistente e
encerrando-as com igual contundência. para isso, hegel exemplifica com a
epopéia odisséia, que não por acaso é referenciada em trabalhos de amores quase
perdidos ainda no inicio do livro: “mesmo sendo o narrador, eu não vou
conseguir falar tudo o que deveria ser dito. não dos fatos, mas o que aconteceu
dentro... a epopéia sentimental. é como na odisséia: quem viajou mais, o ulisses,
navegando, ou a penélope, esperando?...”
essa relação com a epopéia se
justifica nas diversas tramas adjacentes que permeiam a trama principal: a
situação amorosa de três amigos. a quarta personagem, que citamos
anteriormente, é responsável por incorporar as figuras que interferem na vida
desses três amigos. ela é apresentada basicamente como um coringa, que permeia
todo o espetáculo como um símbolo máximo dessas tramas paralelas, dessas experiências
efêmeras e fortes que aparecem na vidas dos personagens, ao mesmo tempo que dá
o tom épico e aventureiro à dramaturgia de pedro brício.
a estrutura fragmentada e que nos
impulsiona num ritmo de leitura mais rápida, não é de fácil apreensão. principalmente
no início do texto até grande parte do primeiro ato, o leitor tenta achar o fio
condutor da fábula. sim, por mais fragmentada e desconstruída que seja a
narrativa, no final das contas o que o autor deseja é contar a história deste
triângulo afetivo/amoroso e suas peripécias. o leitor se perde, não compreende a
finalidade das estratégias de entrada e saída nos personagem, há uma falta de
convenções no texto que, num olhar posterior à leitura, tende a se resolver na
encenação.
o fato de uma das atrizes
representar vários personagens e também o fato dos outros atores serem
narradores e personagens ao mesmo tempo, somado à desvios de condutas na troca
dos personagens e à encarnação instantânea e fugaz de personagens adjacentes,
faz com que a obra se torne confusa e um tanto cansativa, pois há um esforço
grande do leitor, até que se perceba o jogo que se estabelece dentro da
narrativa, que demora muito pra ser apresentada com solidez.
sobre a falta de objetividade na
apresentação dos personagens ainda existe uma indireta do autor: “eu pensei em
tirar os nomes / por quê? / não sei, eu queria que eles não tivessem mais nomes
/ você acha isso original? / poderia ser [aponta mariana] x, [aponta ele mesmo]
y, [aponta joão] y 2, [ aponta branca] z. como uma equação matemática. ou então
ela, ele, aquele, aquela.”. esse trecho indica com certa ironia no tratamento
dos personagens, já que ele são indicados por nomes, em contraposição a uma
identidade a princípio fragmentada, mas que se revela, a posteriori, tão
psicológica quanto num drama tradicional.
o ponto de discussão nesta reflexão
se dá num confronto sobre a composição da obra e o que se quer transmitir com
ela. me parece que a fragmentação dos acontecimentos e a permanente entrada e
saída nos personagens, alternando com os atores/narradores se mostram como uma
forma um pouco desligada da trama, já que, afinal das contas, a fábula, as
situações que decorrem desses desencontros amorosos se mostram como a
prioridade da obra. a totalidade da trama ainda é o foco.
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