seis dramaturgos
e
então foi feito o convite.
em
outubro do ano passado os seis dramaturgos foram convidados pelo teatro inominável e tempo festival para participar da
mostra-hífen de pesquisa-cena.
lá
experimentamos outras formas de críticas, fora dos formatos mais tradicionais.
a proposta é que as reverberações da programação podiam catapultar qualquer
tipo de escrita, como uma segunda obra gerada de maneira quase instantânea da
fruição da obra. aqui estão os textos produzidos durante um mês de programação
da mostra http://mostrahifen.com.br/seis.html
com
isso, me pareceu extremamente instigante propor aos seis dramaturgos novamente
esta experiência, só que agora, a partir de dramaturgia brasileira. com isso
experimentamos aqui no blog também outros formatos de crítica, de feedback e
de troca de olhares. poesia sendo respondida pela poesia.
pra
iniciar, a crítica do catarinense andré felipe do livro dos paulistas joão dias
turchi e gustavo colombini – histórias para serem lidas em voz alta.
Histórias para serem lidas em voz alta
“Que a mesma chuva sempre cai em lugares diferentes e não dá pra saber se ela ta começando ou acabando” – A Lígia pediu para eu escrever um texto sobre a publicação de Histórias para serem lidas em voz alta do Gustavo e do João. Que ideia, Lígia. Logo eu. Eu que nunca me recupero de um livro que me atravessa e fico mudo. A Lígia me deu uma data limite e eu receio não poder cumprir o combinado. Vou fugir pela tangente. De novo. Na verdade a Lígia me deu uma segunda data limite, porque a primeira eu já não cumpri. Desculpa, Lígia. Eu juro que normalmente não faço isso. É só com você mesmo. Não, não é isso que eu quero dizer. Não é com você, Lígia. É um você mais amplo, entende? Não entende. Ok, eu também não entendo completamente. Mas vamos deixar isso das datas limite de lado, até porque eu venho avançando bem até agora e é possível que eu não te decepcione dessa vez, nunca foi tão possível. Olha só como as palavras estão se formando, uma após a outra, procriando, como tartarugas. Não, quero dizer, como palavras mesmo, letra por letra, como conversa jogada fora. Tudo na ponta dos meus dedos. E é lindo, Lígia. Através das minhas duas mãos, porque são as únicas que eu tenho e acredito que é o bastante, eu projeto essas palavras na tela. Eu posso ser só um, mas eu tenho duas mãos que se fazem companhia. Eu estou falando com você mesmo, que adora falar da dança das mãos. Você mesmo, Lígia. Não você amplo. – Mas isso é particular e não tem razão de se expor assim. – “Essa é a sua história, essas são as suas pequenas histórias, todos os acontecimentos entre o instante do seu nascimento, ou melhor, o instante em que você ouviu pela primeira vez o seu nome em voz alta, todo esse livro escrito entre horários distintos de um dia ficcional de vinte e seis letras, por quatro mãos resignadas de tempo, por quatro mãos que se cansaram da sua própria história, as suas pequenas histórias projetadas pela interação caligráfica e o receptor que, mesmo em leitura silenciosa, projeta, via imaginação criadora, uma presença que rompe as fronteiras do texto escrito e se projeta, como biografia, no espaço de uma presença viva, devolvendo essa voz, transformada, outra vez, para a palavra escrita” – Histórias para serem lidas em voz alta é a primeira publicação conjunta de Gustavo Colombini e João Dias Turchi, subvencionada pelo prêmio ProAC de Criação Literária 2014 e lançada em março de 2015. Os dramaturgos, que desenvolvem diversas ações interdisciplinares em parceria pelo grupo Cinza de São Paulo, investigam neste livro o ponto intermediário entre a literatura e a dramaturgia, entre a escrita e a leitura em voz alta. O livro é classificado pelos autores como um romance que se desdobra em histórias escritas por um biógrafo que desenvolve uma teoria capaz de construir a biografia de qualquer um. No entanto, ao tratar sobre os limites entre a palavra escrita e falada e arquitetar uma estrutura experimental não linear, o texto ganha contornos que extrapolam os gêneros. – E de repente a escrita se estanca, Lígia. Isso é um fracasso. –
– O que eles estão tentando dizer é que a gente nunca sabe onde as
coisas começam e onde elas terminam – “A
paisagem nunca ta pronta, as montanhas crescem conforme o movimento das nuvens
e a natureza pode caminhar e se estender por grandes pedaços do horizonte”
– E quando eu digo a gente, eu estou querendo dizer eles, eu, nós, você também.
Por que você nunca sabe onde as coisas começam e onde elas vão terminar. Eu,
por exemplo, confundo o João e o Gustavo o tempo todo. E por mais que eu
acredite reconhecer a escrita de cada um nesse quebra-cabeça que eles armaram
juntos, de repente eu enxergo o rosto de um no outro. Talvez esse seja o rosto
daquele biógrafo. E eu me identifico nesse rosto cansado, porque eu também
estou cansado, eu sempre estou cansado e olho para ele como um espelho. Eu começo
a desconfiar que Gustavo Colombini é o pseudônimo do João e João Dias Turchi é
o pseudônimo do Gustavo e acabo misturando a voz dos dois, mesmo que a voz de
um seja oposta a do outro; uma grave e sem vírgulas, a outra mais aguda e
pontuada. Mas não importa quem escreve porque sou eu quem lê agora. Então
fiquem em silêncio e me escutem. Todos esses autores, todos esses biógrafos e
todos esses biografados têm a minha voz cansada. A minha voz parece calçar bem essas
palavras e assim eu encontro a minha presença pastosa nessas histórias, eu
estou lá. E quando eu digo eu, estou querendo dizer nós, eles, vocês, você. A
sua voz é extensão da escrita, mas também é extensão do corpo e esse é o
primeiro passo para que você comece a se confundir com outras pessoas, mas
também com outros tempos e outros lugares – “Talvez
se eu tivesse continuado a me confundir com o que me rodeava, talvez assim eu
pudesse viver de um jeito mais intenso, tendo vários nomes e formas e cheiros e
cores e sons. Eu poderia ser o escuro do meu quarto, a barra de ferro me
separando do chão, o chão e a parte dele que eu não consigo ver e, por que não,
também meu nome, mas não só ele” – O
texto teatral pressupõe uma transformação, da superfície plana do papel para a
materialidade da cena. O corpo, a voz, a ação, o espaço, o tempo. Ao propor um
romance que convoca a oralidade, Colombini e Turchi provocam a escrita
literária, ativando diferentes possibilidades de leitura e recepção do texto,
trazidas de suas experiências com a escrita e a cena teatral. Trabalham,
portanto, sobre os limites dos gêneros e a expansão do texto e das palavras. –
Mas Lígia, a escrita também vem de algum lugar, do corpo, da voz, da ação, do
espaço, do tempo. Sofrendo para acabar esse texto na data limite, eu percebo de
forma mais clara; eu ando de lá para cá, sinto calor, abro a janela, respiro
com o meu pulmão cansado, falo comigo mesmo, revejo outros textos, checo o
e-mail, abro o livro dos meninos uma e outra vez, te mando uma mensagem de
áudio, passeio os dedos no teclado e só então eu escrevo um parágrafo, quando
muito, para depois voltar a me mover. E agora eu entendo porque você também tem
insistido nessa história da dança das mãos. O texto então é a sobra de tudo
isso. E não é suficiente. Tem algo que eu disse que você não escutou e por isso
tem algo entre nós que não entendemos. Mas ao mesmo tempo é lindo, Lígia,
porque eu me sinto parte dessa construção e ela é um canteiro de obras em total
abandono – “Pegue esse livro. Arranque
todas as folhas. Cole-as numa parede em branco. Cada página é uma história.
Completa. As páginas juntas podem formar uma nova história. Ou várias outras
histórias. São sobre mim. E sobre você. E sobre todo mundo que já passou em
nossa vida” – E um novo dia começa ou termina, Lígia – como forma de ativar o livro. Os autores criaram um dispositivo em que
os atores leem os textos de forma aleatória, atravessados por diferentes
elementos de espaço, luz e som, criando uma nova experiência a cada apresentação.
Mais uma vez, cruzam-se dramaturgia e literatura, encontrando nos limites de
uma a – Eu prometi falar mais, prometi escrever e acabei no limite entre
dizer e não dizer. Eu levei a pergunta comigo, Lígia, eu a engoli. E quando eu
digo eu, você já sabe. Eu não disse nada, fiquei em silêncio, não saí do lugar.
Eu estava só começando o meu projeto. É possível isso, Lígia? Não sair do
lugar. Deixar os gestos congelados, como uma estátua, o tempo suspenso. Eu só
sei que, quando se diz, é impossível não dizer nada, cria-se uma narrativa de
todo jeito. Ou várias. Não, você está repetindo as mesmas coisas. Desculpa.
Eles estão se confundindo com um livro, porque não sabem onde um começa e onde o
outro termina. Logo eles. Aí eu me lembro dos homens-livro daquele filme. Mas a
essa altura isso já não importa. Eu lembro de um conto daquele argentino
afrancesado. Mas isso também não importa, Lígia. Eu estou dando voltas. Por
escrito não funciona mais. Eu falei. Estou te falando, mas você não me ouve. Nós
estávamos cansados demais e não sairemos do lugar; esse é o seu projeto. Só
sobrou fazer uma remontagem fracassada e pretender que com você também era
assim, acabava com silêncio ou talvez nem isso –