segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Histórias para serem lidas em voz alta – Gustavo Colombini e João Dias Turchi – por André Felipe




seis dramaturgos






e então foi feito o convite.

em outubro do ano passado os seis dramaturgos foram convidados pelo teatro inominável e tempo festival para participar da mostra-hífen de pesquisa-cena.

lá experimentamos outras formas de críticas, fora dos formatos mais tradicionais. a proposta é que as reverberações da programação podiam catapultar qualquer tipo de escrita, como uma segunda obra gerada de maneira quase instantânea da fruição da obra. aqui estão os textos produzidos durante um mês de programação da mostra http://mostrahifen.com.br/seis.html

com isso, me pareceu extremamente instigante propor aos seis dramaturgos novamente esta experiência, só que agora, a partir de dramaturgia brasileira. com isso experimentamos aqui no blog também outros formatos de crítica, de feedback e de troca de olhares. poesia sendo respondida pela poesia.

a cada mês, um dramaturgo irá escrever sobre alguma outra dramaturgia.






pra iniciar, a crítica do catarinense andré felipe do livro dos paulistas joão dias turchi e gustavo colombini – histórias para serem lidas em voz alta.




Histórias para serem lidas em voz alta




 “Que a mesma chuva sempre cai em lugares diferentes e não dá pra saber se ela ta começando ou acabando” – A Lígia pediu para eu escrever um texto sobre a publicação de Histórias para serem lidas em voz alta do Gustavo e do João. Que ideia, Lígia. Logo eu. Eu que nunca me recupero de um livro que me atravessa e fico mudo. A Lígia me deu uma data limite e eu receio não poder cumprir o combinado. Vou fugir pela tangente. De novo. Na verdade a Lígia me deu uma segunda data limite, porque a primeira eu já não cumpri. Desculpa, Lígia. Eu juro que normalmente não faço isso. É só com você mesmo. Não, não é isso que eu quero dizer. Não é com você, Lígia. É um você mais amplo, entende? Não entende. Ok, eu também não entendo completamente. Mas vamos deixar isso das datas limite de lado, até porque eu venho avançando bem até agora e é possível que eu não te decepcione dessa vez, nunca foi tão possível. Olha só como as palavras estão se formando, uma após a outra, procriando, como tartarugas. Não, quero dizer, como palavras mesmo, letra por letra, como conversa jogada fora. Tudo na ponta dos meus dedos. E é lindo, Lígia. Através das minhas duas mãos, porque são as únicas que eu tenho e acredito que é o bastante, eu projeto essas palavras na tela. Eu posso ser só um, mas eu tenho duas mãos que se fazem companhia. Eu estou falando com você mesmo, que adora falar da dança das mãos. Você mesmo, Lígia. Não você amplo. – Mas isso é particular e não tem razão de se expor assim.  – “Essa é a sua história, essas são as suas pequenas histórias, todos os acontecimentos entre o instante do seu nascimento, ou melhor, o instante em que você ouviu pela primeira vez o seu nome em voz alta, todo esse livro escrito entre horários distintos de um dia ficcional de vinte e seis letras, por quatro mãos resignadas de tempo, por quatro mãos que se cansaram da sua própria história, as suas pequenas histórias projetadas pela interação caligráfica e o receptor que, mesmo em leitura silenciosa, projeta, via imaginação criadora, uma presença que rompe as fronteiras do texto escrito e se projeta, como biografia, no espaço de uma presença viva, devolvendo essa voz, transformada, outra vez, para a palavra escrita” – Histórias para serem lidas em voz alta é a primeira publicação conjunta de Gustavo Colombini e João Dias Turchi, subvencionada pelo prêmio ProAC de Criação Literária 2014 e lançada em março de 2015. Os dramaturgos, que desenvolvem diversas ações interdisciplinares em parceria pelo grupo Cinza de São Paulo, investigam neste livro o ponto intermediário entre a literatura e a dramaturgia, entre a escrita e a leitura em voz alta. O livro é classificado pelos autores como um romance que se desdobra em histórias escritas por um biógrafo que desenvolve uma teoria capaz de construir a biografia de qualquer um. No entanto, ao tratar sobre os limites entre a palavra escrita e falada e arquitetar uma estrutura experimental não linear, o texto ganha contornos que extrapolam os gêneros. – E de repente a escrita se estanca, Lígia. Isso é um fracasso. –





                                                                         – O que eles estão tentando dizer é que a gente nunca sabe onde as coisas começam e onde elas terminam – “A paisagem nunca ta pronta, as montanhas crescem conforme o movimento das nuvens e a natureza pode caminhar e se estender por grandes pedaços do horizonte” – E quando eu digo a gente, eu estou querendo dizer eles, eu, nós, você também. Por que você nunca sabe onde as coisas começam e onde elas vão terminar. Eu, por exemplo, confundo o João e o Gustavo o tempo todo. E por mais que eu acredite reconhecer a escrita de cada um nesse quebra-cabeça que eles armaram juntos, de repente eu enxergo o rosto de um no outro. Talvez esse seja o rosto daquele biógrafo. E eu me identifico nesse rosto cansado, porque eu também estou cansado, eu sempre estou cansado e olho para ele como um espelho. Eu começo a desconfiar que Gustavo Colombini é o pseudônimo do João e João Dias Turchi é o pseudônimo do Gustavo e acabo misturando a voz dos dois, mesmo que a voz de um seja oposta a do outro; uma grave e sem vírgulas, a outra mais aguda e pontuada. Mas não importa quem escreve porque sou eu quem lê agora. Então fiquem em silêncio e me escutem. Todos esses autores, todos esses biógrafos e todos esses biografados têm a minha voz cansada. A minha voz parece calçar bem essas palavras e assim eu encontro a minha presença pastosa nessas histórias, eu estou lá. E quando eu digo eu, estou querendo dizer nós, eles, vocês, você. A sua voz é extensão da escrita, mas também é extensão do corpo e esse é o primeiro passo para que você comece a se confundir com outras pessoas, mas também com outros tempos e outros lugares – “Talvez se eu tivesse continuado a me confundir com o que me rodeava, talvez assim eu pudesse viver de um jeito mais intenso, tendo vários nomes e formas e cheiros e cores e sons. Eu poderia ser o escuro do meu quarto, a barra de ferro me separando do chão, o chão e a parte dele que eu não consigo ver e, por que não, também meu nome, mas não só ele”O texto teatral pressupõe uma transformação, da superfície plana do papel para a materialidade da cena. O corpo, a voz, a ação, o espaço, o tempo. Ao propor um romance que convoca a oralidade, Colombini e Turchi provocam a escrita literária, ativando diferentes possibilidades de leitura e recepção do texto, trazidas de suas experiências com a escrita e a cena teatral. Trabalham, portanto, sobre os limites dos gêneros e a expansão do texto e das palavras. – Mas Lígia, a escrita também vem de algum lugar, do corpo, da voz, da ação, do espaço, do tempo. Sofrendo para acabar esse texto na data limite, eu percebo de forma mais clara; eu ando de lá para cá, sinto calor, abro a janela, respiro com o meu pulmão cansado, falo comigo mesmo, revejo outros textos, checo o e-mail, abro o livro dos meninos uma e outra vez, te mando uma mensagem de áudio, passeio os dedos no teclado e só então eu escrevo um parágrafo, quando muito, para depois voltar a me mover. E agora eu entendo porque você também tem insistido nessa história da dança das mãos. O texto então é a sobra de tudo isso. E não é suficiente. Tem algo que eu disse que você não escutou e por isso tem algo entre nós que não entendemos. Mas ao mesmo tempo é lindo, Lígia, porque eu me sinto parte dessa construção e ela é um canteiro de obras em total abandono – “Pegue esse livro. Arranque todas as folhas. Cole-as numa parede em branco. Cada página é uma história. Completa. As páginas juntas podem formar uma nova história. Ou várias outras histórias. São sobre mim. E sobre você. E sobre todo mundo que já passou em nossa vida” – E um novo dia começa ou termina, Lígia – como forma de ativar o livro. Os autores criaram um dispositivo em que os atores leem os textos de forma aleatória, atravessados por diferentes elementos de espaço, luz e som, criando uma nova experiência a cada apresentação. Mais uma vez, cruzam-se dramaturgia e literatura, encontrando nos limites de uma a – Eu prometi falar mais, prometi escrever e acabei no limite entre dizer e não dizer. Eu levei a pergunta comigo, Lígia, eu a engoli. E quando eu digo eu, você já sabe. Eu não disse nada, fiquei em silêncio, não saí do lugar. Eu estava só começando o meu projeto. É possível isso, Lígia? Não sair do lugar. Deixar os gestos congelados, como uma estátua, o tempo suspenso. Eu só sei que, quando se diz, é impossível não dizer nada, cria-se uma narrativa de todo jeito. Ou várias. Não, você está repetindo as mesmas coisas. Desculpa. Eles estão se confundindo com um livro, porque não sabem onde um começa e onde o outro termina. Logo eles. Aí eu me lembro dos homens-livro daquele filme. Mas a essa altura isso já não importa. Eu lembro de um conto daquele argentino afrancesado. Mas isso também não importa, Lígia. Eu estou dando voltas. Por escrito não funciona mais. Eu falei. Estou te falando, mas você não me ouve. Nós estávamos cansados demais e não sairemos do lugar; esse é o seu projeto. Só sobrou fazer uma remontagem fracassada e pretender que com você também era assim, acabava com silêncio ou talvez nem isso –


sexta-feira, 28 de agosto de 2015

evoé dramaturgia!!!



depois de mais de um ano de afastamento, me dedicando a dois trabalhos que me tomaram todo tempo do mundo – curadoria dos espaços teatrais do sesi são paulo e o doutorado na usp -, retomo o blog com mais críticas e reflexões sobre a publicação de dramaturgia no brasil.

trabalhando com mais parceiros e em outros formatos que não só a crítica de livros publicados, inicio essa retomada do blog com um texto que escrevi para o projeto janela de dramaturgia e li na mesa “como você mostra?” na abertura da sua terceira edição. reescrevi o texto e inseri algumas outras observações que acho importante para a reflexão sobre dramaturgia no brasil.

na mesa comigo estavam os queridíssimos assis benevenuto e diones camargo, sob mediação da luciana romagnolli.

vamos a ele?!


por que publicar?





ao ser convidada para responder à provocação "como você mostra?" achei antes mais importante e interessante para o debate dar um passo para trás e mudar a pergunta que me foi proposta: no lugar de como publicar, penso ser interessante aproveitar esse momento para questionar: “por que publicar?”

essa pergunta é o resultado de um processo no qual a linguagem dramatúrgica vem lutando contra: a falta de espaço e reconhecimento da dramaturgia como produto literário ainda é dominante no brasil: a maior feira literária do nosso país, em sua 13a edição, nunca abriu as portas para discutir mais a fundo o gênero e tampouco o prêmio jabuti contempla uma categoria para dramaturgia.

bem, mas menos do que discutir o mercado literário para dramaturgia no brasil, acho importante discutir a mentalidade dramatúrgica de nosso movimento artístico. duas experiências podem nos ajudar a pensar:

numa oficina ministrada pelo dramaturgo luis alberto de abreu ele nos contou sobre uma experiência com o teatro vertigem, no qual, após finalizar o texto no processo colaborativo foi questionado sobre a possibilidade de exclusão de uma cena, já que o cenário proposto pelo cenógrafo deixaria o espetáculo redundante caso ele mantivesse o texto original. a cena foi cortada e o cenário mantido. porém na publicação da obra, o dramaturgo decidiu manter a cena.

podemos citar também a publicação dos textos da mineira grace passô que inseriu rubricas instaurando não só a sugestão de ações cênicas, como o contexto poético das cenas. sem a pretensão de dar contar da retratação da linguagem teatral, a dramaturga investiu outras criações poéticas para que a experiência de leitura não se limitasse à descrição das ações dos atores.

por outro lado, ainda encontramos publicações que iniciam com “este texto foi montado em tal teatro com tal elenco". este paratexto parece desimportante, mas ele revela ainda uma preocupação com a memória do teatro a divulgação daquela experiência de encenação. essa preocupação ainda tão existente ainda é o resquício de um teatro dramático que teve sua história contada pelos textos que perduraram, já que o teatro é uma arte tão efêmera cuja experiência é impossível de ser apreendida. restou ao teatro manter na história da dramaturgia, a história da cena.

portanto, podemos identificar que ainda existe um pensamento que acredita que a publicação de dramaturgia é uma maneira de manter a memória do espetáculo, mesmo que hoje já possamos falar de novas possibilidades que se debruçam não no registro do teatro, mas no desenvolvimento de novas linguagens que, de alguma maneira, prestam esse serviço de memória ao mesmo tempo em que criam uma linguagem própria, como é o caso do teatro filmado, pesquisado principalmente pela alemã beatrice picon vallin.

seguindo neste raciocínio, qualquer dramaturgo no início de sua produção já escutou o conselho de que é mais importante que o seu texto seja encenado do que publicado. esse tipo de mentalidade parece ainda estar muito presente no contexto da dramaturgia no brasil. mas vale o questionamento: isso é necessariamente uma regra?

por outro lado, escritores que não estão ambientados às discussões teatrais da contemporaneidade, quando se aventuram a linguagem dramatúrgica ainda estão extremamente vinculados ao formato dramático, exaltando ainda os aspectos intersubjetivos dos personagens e o desenvolvimento do enredo. alguns exemplos é o homem como invenção de si mesmo do ferreira gullar ou ainda paisagem em campos de jordão do marcelo mirisola e nilo oliveira.

finalizando minha interferência no bate papo, sugiro que pensemos sobre algumas provocações, para construirmos a partir daí o nosso diálogo:

a mídia no caso da dramaturgia – teatro ou livro – pode desenrolar numa discussão sobre a linguagem ou sobre o gênero dramatúrgico? como isso interfere no entendimento da linguagem se considerarmos que as fronteiras entre os gêneros (dramático, lírico e épico) estão cada vez mais borrados?

a publicação de dramaturgia ainda hoje deve manter a sua função de memória do teatro?

há diferenças entre o espectador de dramaturgia contemporânea e o leitor de dramaturgia contemporânea?

é saudável para a dramaturgia tentar retomar um espaço literário do qual se esforçou tanto para se desvencilhar?

a cena valida ou qualifica a dramaturgia?

quinta-feira, 13 de março de 2014

edifício london - lucas arantes







editado pela coruja de ribeirão preto na coleção rascunho, a dramaturgia de lucas arantes foi inspirada no caso isabela nardoni, assassinada pelo seu pai e a madrasta em 2008.  ano passado a peça esteve presente nos principais sites de notícias do brasil. o espetáculo produzido pela companhia os satyros foi proibido pela justiça paulistana de se apresentar devido a uma ação da mãe, ana carolina oliveira. pouco mais tarde o livro contendo a peça também foi recolhido das livrarias.

dias antes da proibição da venda do livro, quando a peça já havia sido cancelada, lucas me enviou um exemplar. agora, depois de quase um ano, me parece propício relembrar o acontecido, principalmente porque a lei das biografias não autorizadas está sendo debatida e julgada.

mas antes vamos falar um pouco sobre o texto.

estruturalmente o texto apresenta de maneira clara uma influência no formato da tragédia, com algumas adaptações que tentam dar conta das formas da contemporaneidade. o texto é divido em 21 cenas mais um epílogo. são 30 personagens apontados pelo dramaturgo, mas, de fato, a peça se desenvolve entorno de três principais: a menina, o homem, a mulher; e ainda outros três coadjuvantes que auxiliam na construção do enredo: a mãe, o vizinho e o mendigo.

o texto apresenta de maneira rápida a relação de confiança e afeto entre a menina e a mãe, mas também revela algumas imaturidades. o enredo segue dando ênfase maior à relação da menina com o pai e a madrasta, que mantêm entre si uma convivência difícil e entrelaçada de mistérios e incertezas. ao assassinato da menina (os motivos se misturam a um ambiente psicológico muito conturbado) segue uma série de julgamentos e hipóteses de toda a situação, fazendo referência a fatos reais que exaltam toda a confusão que o acontecimento trouxe para a sociedade de então, ainda tão baseada em valores familiares.

abrindo e fechando o texto encontramos o personagem do bufo melancólico, que - com função similar ao coro das tragédias gregas - apresenta o enredo inicial da peça e igualmente o encerra propondo ao leitor algumas reflexões. esta figura parece, desde o início, querer nos colocar diante de um acontecimento tão antigo: o assassinato de um filho pelos próprios pais. evocando dante alighieri, o bufo melancólico evoca: “deixem todas as esperanças”. com isso percebemos que o fim trágico dos enredos teatrais de mais de 2500 anos atrás, medea, por exemplo, aqui também se repete.

uma construção importante a ser ressaltada, é a forma como o autor decidiu designar os personagens. o pai e a madrasta da personagem menina são nomeados como homem e mulher e a designação de pai fica indicada para o pai do homem, neste caso o avô. dessa maneira o autor indica, logo no início que o personagem homem não deve ser identificado como uma figura paterna, o que acontece também com a madrasta, que é designada como mulher.

por outro lado, a figura da mãe aparece poucas vezes no texto, apenas em 03 momentos, fazendo com o que sua interação com aquela situação seja igual ao do personagem vizinho, que também aparece 03 vezes na dramaturgia, não atuando sobre a situação mas apenas acompanhando, quase voyeristicamente. isso nos traz a impressão de que a ideia de família já se apresenta desestruturada antes mesmo do assassinato, fazendo com que esse fato se apresente como uma consequência de um paradigma na formação das famílias na contemporaneidade. onde está a figura do pai? como se relacionar com a figura coadjuvante da mãe na formação dos filhos? o texto apresenta essa situação, mas, propositadamente, não faz nenhum pré-julgamento.

os outros elementos clássicos da tragédia são encontrados na dramaturgia de lucas arantes: a unidade de ação, a coerência dos personagens e principalmente a existência de um conflito que desemboca numa grande tragédia.





porém uma característica salta à ordem trágica: a condução dramática é atravessa por uma forte exploração do intrasubjetivo dos personagens, característica que szondi identifica como uma caminhada em direção aos gêneros lírico e épico. a poeticidade dos personagens é contrastada com as ações e contexto tão ligados à realidade. em vários momentos os personagens parecem avançar num universo muito particular no qual suas escolhas são colocadas à prova e o sentimento de dúvida é exaltado. isso é reforçado principalmente com a aparição do personagem mendigo que, como um oráculo grego, adiciona ao universo do texto ainda mais mistério e subjetividade, aflorando a reflexão e o pensamento que por horas parecem desembocar na loucura dos personagens.

isso nos parece ser um ganho se considerarmos que todo o universo do texto é construído a partir da incerteza das ações: o sono, a bebida, as drogas, o psicológico abalado, a construção proposital de inverdades são a todo momento evocadas de maneira que leitor possa duvidar, desde o início, da realidade dos fatos.

por outro lado, o uso exacerbado do lirismo e de metáforas acaba por tirar a atenção às situações e ações, levando o leitor a se descolar do texto e perder o interesse na fábula. o mergulho descontrolado no universo confuso dos personagens em alguns momentos distancia o leitor da história e coloca essas figuras num lugar de elucubrações desnecessárias e por vezes enfadonha, exagerando no objetivo de obscuridade e incerteza, tão importante para o texto.

ao fim do livro encontramos uma cena exclusivamente construída para dar cabo da repercussão que este acontecimento gerou no nosso país: uma jornalista, um padre, um skinhead e um psicanalista constroem suas versões e visões acerca do caso. o mais coerente? o texto não indica, não se posiciona. o que podemos afirmar é que todos nós fomos bombardeados pela mídia na construção sensacionalista do caso, e esse fato real, lucas aborda muito bem.

é nesse sentido que a arte se apropria do caso e opera no intuito de renovar o tema e retomá-lo de maneira a dar ao leitor a possibilidade de reconstruir o acontecimento à sua própria maneira, direcionando que, conforme o próprio texto: “quando o jornal não dá conta de suplantar o mistério, de esclarecer os motivos, de responder as perguntas de um acontecimento, a arte tenta cumprir o seu papel de tentar eternizar o enigma. é sempre uma mesma historia. lida ou destruída de diferentes formas”.

adentrando mais a fundo nas questões acerca da censura da peça e do livro e também na discussão sobre as biografias não autorizadas, podemos acreditar que a forma do espetáculo está intrinsecamente ligada ao conteúdo e (por que não?) ao objetivo do autor ao retomar este acontecimento.

enfrentando essa questão, nos perguntamos: qual o sentido de recorrer ao formato da tragédia na atualidade? em outros casos, de certa maneira, responderíamos que não há justificativa e que hoje os temas não mais se adequam a essa estrutura.

porém, se considerarmos que a tragédia grega operava no sentido de, dentro de uma imersão no universo ficcional do espetáculo, purgar e purificar os sentimentos de seus espectadores, o texto escrito por lucas acerca do caso isabela nardoni ainda hoje deve se direcionar no mesmo sentido em relação aos seus espectadores.

podemos genericamente indicar a catarse grega como a possibilidade de purgar e purificar os sentimentos e renovar a sociedade. é a maneira de não se esquecer de nossas próprias escuridões e de, através do acontecimento teatral, salvar a sociedade de suas próprias mazelas.

ainda hoje a montagem da companhia satyros continua censurada, assim como o livro. a discussão acerca das biografias não autorizadas muito vem a calhar ao teatro. como não tratar do homem sem se apropriar de suas inverdades, de suas incertezas e suas invenções?

as fronteiras entre a realidade e a ficção se fundem, desde o começo.


não que esta obra se trate de uma biografia, pelo contrário. mas me parece que toda a discussão que colocou a literatura na lista de temas mais importantes no brasil acerca da legitimação ou não das biografias não autorizadas, tem eco no que aconteceu, está acontecendo, com a obra de lucas arantes e da companhia os satyros. a falsa necessidade de preservação da privacidade no caso da menina isabela (quer invasão maior do que a feita pela mídia durante tantos meses?) parece emburrecer ainda mais a sociedade brasileira. apresentar ao público uma obra que recria um fato realístico coloca em cheque o bombardeio da mídia e a posição letárgica de seus espectadores. entre gregos e contemporâneos, a arte no brasil parece perder muito caso as pequenices do ego e da vida privada tomem conta de projetos e propostas da ordem do coletivo, do público.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

edital oraci gemba


em setembro a jornalista helena carnieri publicou no caderno g da gazeta do povo uma matéria sobre o edital oraci gemba do fundo municipal de curitiba que seleciona dramaturgias prontas e propostas de escrita para publicação.
no último edital fui premiada junto com os colegas luiz felipe leprevost, diego fortes e mais 3 dramaturgos e nossas dramaturgias publicadas na coleção dramaturgias curitibanas lançadas no festival de teatro de curitiba deste ano. o edital não foi lançado em 2013 e, de acordo com a fundação cultural de curitiba está sofrendo alterações e somente será publicado novamente em 2015.
diante deste fato, na matéria falei um pouquinho sobre a importância deste edital e a publicação de dramaturgia no brasil.
 

 

onde começa o teatro

fundação cultural garante continui­dade de projeto de publicação de textos de peças, mas próxima edição pode sair só em 2015

a recente empolgação nacional com os novos dramaturgos curitibanos, especialmente no contexto do núcleo de dramaturgia do sesi/pr, pode dar a falsa impressão de que só agora passamos a escrever. nada disso. profissionais atuantes desde a década de 80, como sílvia monteiro, lembram que nossos grupos se autopautavam há muito tempo. “nossa dramaturgia é silenciosa, mas presente”, define.
essa produção passou a ser documentada em 2007, por meio do edital oraci gemba, da fundação cultural de curitiba. foram quatro livros, trazendo peças inéditas produzidas por aqui.
a dúvida da classe sobre a continuidade do programa de incentivo nesta nova gestão municipal se dissipou parcialmente em reunião com o presidente da fundação, marcos cordiolli, que garantiu o retorno do projeto. mas a perspectiva temporal não é animadora: primeiro, será realizada uma nova rodada de conversas com a classe artística sobre a reformulação dos editais, para só então lançá-lo, o que poderia ocorrer em 2015. “depende de estudos técnicos. mas nos interessa a produção de literatura e de dramaturgia locais”, assegurou cordiolli em entrevista à gazeta do povo. segundo ele, o formato bienal, com a publicação de mais textos num único livro, é interessante.

memória

a última edição do dra­­ma­­turgias curitibanas (2011/2012) reuniu cinco textos. alguns já tiveram leituras dramáticas, como o beijo, de sílvia. “foi meu primeiro texto com ideia original, sem ser uma adaptação”, revela a autora, que tem experiência na área. quando ela criou o grupo delírio, na década de 80, com edson bueno e áldice lopes, as peças frequentemente tinham dramaturgia própria. “poderíamos acompanhar o movimento de teatro de grupo da cidade pelos textos produzidos, seguindo o pensamento por trás dos espetáculos.”
por isso, a publicação é vista como fundamental para a manutenção da memória da cena teatral curitibana, mas também para estimular a criatividade e a produção original.
“que eu conheça, [o oraci gemba] é o único projeto no brasil que incentiva a criação dramatúrgica, sem ser simplesmente um concurso”, contou à reportagem o autor e diretor enéas lour. ele publicou nas duas últimas edições: reivalino e dagobé (ambos os dois assassinos contratados), no livro de 2009, e otto e maria, no de 2011/2012.
a pesquisadora lígia souza oliveira, que publicou encontros diários na última edição do dramaturgias curitibanas, é uma defensora ferrenha da publicação de textos de peças – e do estímulo a sua leitura. criou o blog habitando o papel com esse objetivo, e direcionou seus trabalhos de mestrado e doutorado para essa área.
tendo acompanhado a criação de textos feitos no calor de um processo de montagem de espetáculo, ela acredita que um “texto de gabinete”, escrito independentemente pelo dramaturgo, tem suas vantagens. “há um exercício de linguagem mais profundo. por outro lado, é preciso encarar as palavras enquanto fala”, disse à reportagem.
outra alegria trazida pelo projeto à classe, na opinião de lígia, é a reunião de nomes iniciantes – como o dela própria, além de diego fortes e luiz felipe leprevost – ao da geração mais experiente, como sílvia, enéas, renato perré e luiz roberto meira.

discussão

a revisão dos editais municipais para a área cênica ainda não tem prazo para começar. por enquanto, foram realizados dez encontros com artistas da cidade de várias áreas. um dos interesses manifestados por cordiolli é o de investir em editais integrados, que pensem a produção e a circulação – inclusive nacional e internacional – de espetáculos.
um dos principais editais da área de teatro, o de ocupação do teatro novelas curitibanas, terá sua nova edição até o fim de ano, promete cordiolli.

 

 


relato de experiência - oficina de iniciação à dramaturgia


a convite da ciasenhas de teatro ministrei em julho três oficinas de iniciação à dramaturgia na periferia de curitiba para crianças e adolescente de 10 a 15 anos. as oficinas compuseram a contrapartida social do projeto do livro da dramaturga e diretora - e mestra e amiga - sueli araújo que foi lançado no mês de agosto em curitiba – narrativas em cena. 
amedrontada principalmente pela falta de preparo e experiência com esse público, aceitei a aventura e parti pra curitiba numa tarde ensolarada em são paulo, e a paisagem da chegada - um céu azul dilacerante - me enganava do frio típico de curitiba.
os locais das oficinas - uma associação de moradores, um centro de integração e um por fim um centro de assistência social - eram localizados em bairros muito distantes, onde dois deles tinham como vizinhos a mata de araucárias até o infinito. sete anos morando na cidade e nenhuma vez perambulei por essas regiões. ironia ou não, precisei sair de curitiba para então conhecer esses recantos.
as crianças eram todas muito desconfiadas, mas com o carinho e a dedicação dos professores/educadores me senti acolhida e a vontade, o que provocou uma catarse bonita e doce.
no começo pedi pra cada um se apresentar e dizer o que mais gostava de fazer, um hobby, para que eu pudesse conhecer um pouco o universo daquelas crianças e para que as suas particularidades pudessem me tocar um pouco, apesar do pouco tempo da oficina.
logo de cara percebi que o mais importante era mostrar que eles podiam, deviam, se sentir a vontade. a cumplicidade para começarmos uma oficina de escrita – algo tão pessoal e obscuro - era necessária desde o início. portanto declarei as duas primeiras regras: não existia certo ou errado nos textos que iríamos produzir e ninguém seria obrigado a ler seus textos, somente quem se sentisse a vontade - afirmação que provocou uma tranquilidade geral: ok, agora podemos começar!
começamos então a conversar sobre o que era dramaturgia. com palpites e achismos à vontade, fomos construindo coletivamente essa ideia e da mesma maneira também conversamos sobre a narrativa e também sobre a poesia. ao longo do dia fomos criando e descobrindo também como a fronteira entre esses gêneros foram sendo destruídas.
a primeira proposta de escrita foi livre e libertadora, todos nós escrevemos através da escrita automática durante alguns minutos, no qual não há nenhum filtro e nenhuma racionalização. sempre começávamos com “eu não sei o que escrever”, mas a ideia era não parar, não desistir. e então personagens, espaços, tempos, temas e universos inteiros eram criados. já éramos escritores.
passamos para a próxima conversa. o que é uma história? mais uma vez o quadro ficou repleto de definições, muitas vezes antagônicas, como eu esperava que fosse. e então o desafio: vamos tentar escrever um texto sem história. sim, detectamos que era impossível e que uma notícia de jornal era uma história, uma bula de remédio era uma história ou uma mínima palavra.
até que nesses desdobramentos ele surgiu: o leitor!
subíamos um degrau. conversamos sobre o leitor e também sobre o espectador e então voltamos para a dramaturgia. seguimos toda a oficina fazendo experimentações com e sobre a palavra e o mais importante, sobre nós mesmos, que nos expusemos e nos desafiamos a lermos nossos textos, ou ainda a interpretar o texto do meu amigo do lado, reescrevendo sua história, não entendendo ao certo sua intenção e até mesmo xingando sua letra: o escritor encontrou seu primeiro leitor.
desenvolvemos o diálogo e a narração dentro dessa história que construímos na escrita automática. por fim, ao falar do lírico, falamos do que há de mais particular e escondido em nós mesmos! éramos cúmplices naquele momento.
falamos sobre família, sobre sonhos, sobre futebol, sobre roubos, mortes, amigos, sobre a escola, sobre o primeiro beijo, funk, vídeo game e também sobre aquela vez em que ele foi com o melhor amigo ao lago no fundo daquela mata, várias vezes escondidos de suas mães. até que o melhor amigo, morreu: leptospirose. sim, a culpa era minha. porque ele e não eu? ele era meu melhor amigo...
só me entregava seus textos quem quisesse. minha mochila voltou pra são paulo cheia de histórias, uma nova a cada palavra. mas essa, a história do melhor amigo, não. ele levou consigo o pedaço de papel. aquele papel era um pedaço dele mesmo, não poderia mais viver sem aquelas palavras. nem eu.
e foi por isso aquele pedaço de papel veio para cá.

 
obrigada curitiba

obrigada ciasenhas de teatro pela oportunidade.

 
 
evoé dramaturgia
 
sempre...

 

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

janela de dramaturgia - quinto encontro





quinto encontro
 


quinto  encontro já é relacionamento sério?
não, eu não conheço belo horizonte e os amigos são poucos. mas o convite feito pela equipe do janela de dramaturgia me incitou a, mensalmente, habitar essa cidade: as ruas, as casas, os becos, cada pessoa...
com a janela do meu escritório aberta - a paisagem concreta de são paulo - a viagem me fez conviver, através das palavras desses dramaturgos, com atmosferas tão particulares daí.
atmosferas estas que tantas vezes se constroem por aqui também: o que é dramaturgia? qual o grau de relação com o leitor/espectador? qual a articulação da palavra? qual o grau construtivo das imagens? é literatura? é cinema? é teatro?
sim, esse espaço também foi feito pra isso, pra discutir a linguagem.
mas acima de tudo encontramos nos textos um rapto, uma centelha de subjetividade, de particularidade que ressoam em nós com algum tipo de esperança. afinal, eu encontrei você mensalmente e essa presença invisível que se constrói na folha de papel (ou na tela do computador) certamente diz muito sobre o que toca, o que compartilha, o que encontra...
de fato, o céu é o mesmo... e eu construo com você, lendo, a nossa obra.      
evoé dramaturgia...
vida longa ao janela!!!!
 
 
a carne sua joão filho
 


a carne sua dramaturgia de joão filho se configura em duas partes. neste pequeno texto iremos nos debruçar sobre a primeira parte e a introdução da segunda.
o texto apresenta o cotidiano de um homem. certamente, o texto se elabora a partir de configurações da rotina. em trechos que alternam a primeira e terceira pessoa acompanhamos os acontecimentos deste personagem que apresenta um programa de tv chamado “todo dia” (uma ligação direta com o seu cotidiano repetitivo), no qual ensina receitas culinárias.
 
em toda  a primeira parte acompanhamos as ações deste homem dia após dia, referenciado pela indicação insistente dos horários. dentre as ações está o zelo com o seu peixe rex, que retratando a sua solidão, faz paralelo também com o seu ofício: a exposição.
 
percorremos, através de seu cotidiano, a construção de uma comparação entre a exposição do peixe no aquário da estante com a sua exposição diária na tv: “volto aos objetos, de plástico, alguns de vidro, madeira, papel, líquidos, tecidos... tem uma carne na estante. a carne sua. não é você. cadê você? você estava aqui agora! ao lado do abajur, de pé... cadê você? como assim?”. ao mesmo tempo que em que a carne está exposta frente às câmeras, o peixe está exposto na estante, ele também se expõe, mostra sua carne e a transforma num objeto, numa coisa.
 
duas chaves de entendimento encontramos neste texto. a primeira em relação ao titulo, que compõe dois significados para o termo sua: o pronome possessivo e a conjugação do verbo suar. nesta duas possibilidades encontramos a antagonia: a carne enquanto domínio, o peixe e ele próprio é um objeto de posse e ao mesmo tempo a carne tem vida, se revela enquanto corpo, que chora, sangra, sua e sente.
 
a outra chave de entendimento se faz no nome do canal o qual o homem trabalha: tv terapia. neste sentido, algumas indicações do texto podem nos revelar também o intuito do autor ao nos escrever estas palavras: “tenho um altar de apegos” ou ainda “isso só diz respeito a mim”, nos fazendo intuir que toda a construção do texto passa por uma relação autobiográfica muito forte. afinal de contas, todo o texto o é, o que percebemos neles é a vontade de esconder ou de exibir essa amplitude particular. o autor aqui também expõe a sua carne.
 
num trecho que finaliza a primeira parte, observamos um fechamento acerca destas carnes expostas: “zé́ põe pra despertar uma bomba dentro dele todos os dias. pra lembrar de não esquecer. ele vê seus olhos no espelho, sente sua carne abatida, mentirosa, fraca, estúpida. ele se coloca na estante, as pessoas o observam por alguns instantes, a carne fica exposta. passa um tempo, a carne sua, fede. até ficar desinteressante, perecível. ele erra, fecha os olhos e explode. adormece!”
 
já a concisa segunda parte, ainda em fase de construção, nos mostra a mesma condição deste personagem agora escrita a partir de outra arquitetura de linguagem. numa construção mais lacunar, as frases são inteiramente sugestivas e nos põem em contato com a condição material das palavras, sua sonoridade e sinestesia. em contraponto à materialidade da palavra, o que se apresenta é a liricidade deste personagem, com suas dúvidas e incertezas, sua tristeza na visão afastada, um pouco mais consciente talvez, de toda a sua condição rotineira.
 
 
miração – rafael fares.




o texto de rafael fares, miração, é divido em cinco partes e conta com as seguinte subjetividades: paisagem, pensamento e mirante. aqui chamaremos de subjetividade pois elas não delineiam o que consideramos ser personagem, com características e identidades particulares e delineáveis.
 
a situação é dada de pronto, nas primeiras páginas. alguém participa de um ritual onde se ingere o chá ayahusca. e então todo texto segue dando informações que se desdobram a partir desta experiência.
 
as instâncias de pensamento e mirante tem todo o seu discurso construído em primeira pessoa, a primeira dando olhares mais objetivos e indicativos de toda a situação, e além disso, revelando as experiências do chá de maneira mais prática e a segunda com uma percepção mais sensorial e intuitiva dessa experiência. já a paisagem, delineia toda a situação como um olhar de fora, dando descrições de todo o percurso deste sujeito e também do espaço no qual está inserido.
 
a escola impressionista tem uma característica que vai ao encontro deste texto. fora de uma discussão determinista, as pinturas impressionistas não desenham uma linha que delineie o sujeito, separando-o da paisagem em que está inserido. neste texto também acontece isso. as instâncias em primeira pessoa, o pensamento e o mirante juntamente com a instância em terceira pessoa, a paisagem, dão pistas deste sujeito o qual acompanhamos a experiência. o espaço, as sensações e os pensamentos se entrecruzam e nos apresentam esse sujeito lacunar, sem contornos definíveis em relação aquela situação, o próprio texto dá as chaves de entendimento: “o que saiu de mim me desfez, desfazendo a minha fronteira com o mundo”.
 
o texto segue dando enfoques às alucinações deste sujeito. a utilização de drogas na construção de um pensamento sobre a arte é decorrente na história. um desses momentos é o simbolismo, o que muito pode se ligar a este texto. em seus escritos, eles acreditavam ser através do uso do haxixe que se podia alcançar possibilidades que muito serviram à arte, religando o artista à uma esfera divina.
 
a citação de diversos artistas, escritos, músicos, usada para referenciar a arte enquanto ritual, enquanto experiência sensorial, é recorrente em todo o texto.
 
porém a maior questão do texto me parece ser a dosagem das certezas do autor em detrimento à experiência estética. as experiências do pensamento parece se espandir em detrimento das outras instâncias, trazendo ao texto um ar informativo beirando o manifesto. a arte enquanto ritual fica mais no discurso e pouco atinge à linguagem apreendida, e consequentemente o leitor. a necessidade de instaurar essa noção ritualística da experiência, de certa maneira contextualizando o leitor, acabou por ser enfática a ponto de nos afastar de qualquer possibilidade de acesso ao sensorial e sinestésico do texto. o leitor acompanha o percurso desta experiência mas dela não se apodera.
 
a questão pode ser que seja a dosagem entre o convite ao ritual, apresentando como maneira de acesso à experiências distintas, e a sua informação, de forma que o texto não se aproxime do hermetismo mas tampouco de apresente mais indicativo do que convidativo. 
 


mais informações sobre o projeto em: www.janeladedramaturgia.wordpress.com